Título: Franco Macri ressurge das cinzas com seu império
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 04/01/2007, Empresas, p. B5

O empresário italiano naturalizado argentino, Francisco Macri, mais conhecido como Franco, quer voltar a investir no Brasil. Ex-proprietário da Chapecó, empresa que ruiu em 2005 sob uma dívida de quase R$ 1 bilhão com bancos, fornecedores, impostos e empregados, Macri quer ampliar sua atividade no país na área de concessões públicas de linhas de transmissão de energia elétrica e no pacote de privatização das rodovias federais que o governo Lula está preparando.

Sobre o passado, ele dá sua versão: "Faltou apoio do BNDES". O banco estatal era credor de mais da metade das dívidas da Chapecó e dono de 29,7% de seu capital. Macri diz que a empresa, que comprou em 1998 e tinha 65% do capital, começou a ter problemas sérios com a maxidesvalorização do real um ano depois, as elevadas taxas de juros brasileiras e a crise econômica argentina que afetou a capacidade do grupo de aportar novos recursos em suas operações.

"A empresa estava com forte crescimento e necessitava de mais capital por parte do BNDES. Chegou a ser aprovado um investimento de US$ 65 milhões para que a empresa seguisse crescendo. Mas nesse momento houve uma mudança na direção da Chapecó e foi negada a adequação necessária à equação econômica-financeira pactuada. E então a Chapecó entrou em crise".

Para Franco Macri, o banco teria recusado apoio devido a uma política interna alheia à avaliação do desempenho do grupo. "Acreditamos que houve mais razões de política geral do banco que um problema com o grupo, porque havíamos feito um milagre. Era uma empresa que estava há cinco anos parada e chegou a ser a terceira empresa do Brasil no setor, fazendo dura concorrência à Sadia e Perdigão. Se nesse momento (de dificuldade) o BNDES tivesse nos apoiado, Chapecó seria tão grande como as outras duas", disse. A Chapecó, que deixou de existir e teve suas unidades arrendadas, ainda tem dívida de R$ 560 milhões com o BNDES.

É a primeira vez que Macri fala à imprensa sobre o caso. Há quatro anos ele não concedia nenhuma entrevista. Agora, decidiu aparecer, inaugurando uma nova fase de sua vida empresarial.

Suas empresas nas áreas de construção e industrial estão indo de vento em popa, no embalo da economia argentina, que cresce ao ritmo de 8% a 9% ao ano após sair do fundo do poço no qual caiu em 2002. A construção civil tem sido o motor dessa expansão, com crescimento médio de 20% a 30% ao mês este ano, abrindo a oportunidade para que Macri voltasse às suas origens de empreiteiro.

O empresário chegou a Buenos Aires em 1949 a bordo de um navio com os pais e os irmãos, na leva de imigrantes que deixavam a Itália alquebrada pela Segunda Guerra. Seu primeiro empreendimento foi um minúsculo prédio erguido "com as próprias mãos" em um terreno comprado em sociedade com um amigo, conforme relata em seu livro de memórias "Franco Macri, O Futuro é Possível", de 2004.

Desde a fundação de sua primeira empresa, a Vimac, em 1955, Macri construiu um império que no auge, nos anos 90, chegou a ter 150 mil funcionários, a fabricar mais de 280 mil automóveis Fiat e Peugeot (marcas das quais possuía a concessão de fabricação na Argentina) e mais de 2 milhões de metros quadrados construídos de residências, sem contar obras públicas de infraestrutura.

Uma série de intempéries políticas e econômicas, que culminaram com a crise de 2002, o obrigou a sair da maior parte de seus negócios, que chegaram a contabilizar joint-ventures e associações com mais de 120 empresas no mundo inteiro. O faturamento de seu grupo despencou de US$ 5 bilhões em meados da década de 90 para US$ 1,5 bilhão depois da debacle econômica argentina. O número de empregados caiu para 30 mil. De seus negócios no Brasil sobraram uma empresa de gerenciamento ambiental, a Qualix, a construtora Civilia e a concessão da Rodovia das Cataratas no Paraná.

"Ele é um empresário hábil e inteligente, mas sua imagem ficou arranhada com episódios como a concessão dos Correios no governo Menen, em que ficou a suspeita de que tinha sido beneficiado com uma dádiva", comentou um consultor de empresas de Buenos Aires sob a condição de anonimato.

No caso dos Correios, privatizados em 1997, Macri se diz injustiçado. Afirma que ganhou a licitação com a melhor proposta, cumpriu com os investimentos exigidos mas o governo não cumpriu com sua parte, que era criar um marco regulatório, proteger os direitos de exclusividade e acabar com a autorização para a atividade de prestadores de serviços concorrentes e a atuação de agentes postais clandestinos.

Acabou perdendo a concessão no governo Nestor Kirchner, que reestatizou os Correios. Mas Macri preferiu não brigar com Kirchner. Ao contrário, aproveitou suas boas relações com o governo chinês para organizar uma missão de funcionários argentinos com Pequim e anunciou uma parceria de sua holding Socma com empresários chineses para reativar a Ferrovia General Belgrano - o que soou como música aos ouvidos do presidente da Argentina que luta para reativar os investimentos privados no país. O empresário tem buscado também afastar-se publicamente da posição política de seu filho Maurício Macri, dono do time de futebol Boca Juniors e filiado ao partido Compromisso para a Mudança, frontal opositor a Kirchner.

Construída pelos ingleses no final do Século XIX, a Ferrovia Belgrano interliga 14 províncias argentinas que concentram as atividades de cereais e mineradora. São 7.650 km de trilhos que, há três anos, quando a Socma assumiu a concessão, tinha apenas 23% da malha em condições de tráfego, 42% estavam fortemente deteriorados e o restante estava desativado. De 120 locomotivas adquiridas entre os anos de 1972 e 1980, só 20 funcionam e os sistemas de comunicação estão completamente obsoletos.

O projeto com os chineses visa recuperar a ferrovia e elevar a capacidade de transporte atual de 1 milhão de toneladas para 40 milhões de toneladas - circulam pela região 50 milhões de toneladas de grãos. Nesta primeira etapa de trabalho na ferrovia, está sendo implantado um plano de emergência para evitar o colapso do serviço. O projeto como um todo, que inclui, além da restauração, a expansão até o Chile, deve demandar US$ 3 bilhões nos próximos cinco anos.

Na área de energia, a Socma fechou um contrato com a China Goudien Corporation, que administra 35 mil MW em seu país, o equivalente a uma vez e meia toda a energia gerada em território argentino. "Com essa empresa queremos fazer estudos das necessidades de energia da Argentina e de outros países. Estamos preparando uma visita e as negociações com a companhia estatal argentina (Enarsa) para que juntos façam os estudos de todas as necessidades do país.", informa.

A mesa coisa, acrescenta Macri, poderia se fazer para o Brasil e os demais países. Depois o governo pode abrir as licitações e seguramente a China será um dos que podem oferecer a execução dos projetos com financiamento. Segundo ele, no projeto argentino, a Socma vai funcionar como "trading", podendo participar, em uma etapa posterior, em eventuais licitações.

Na área industrial, a Socma associou-se à Chery Automobiles, uma das maiores estatais de automóveis da China, para construir uma fábrica de veículos no Uruguai, o que marcará a estréia dos chineses no mercado automotivo do Mercosul.

Para se concentrar na área de infra-estrutura, Macri se desfez recentemente de duas operações no setor financeiro, a Argencard, uma administradora de cartões de crédito com a marca MasterCard, e o Pago Fácil, uma rede de pagamento de contas muito popular na Argentina. Ambas as empresas foram vendidas para o grupo americano First Data, dono da Western Union, rede de transferência de dinheiro com atuação em vários países e que já era sócia da Socma nos dois empreendimentos.

"Concluímos que a Pago Fácil teria mais êxito se pertencesse a uma instituição financeira como a Western Union, que pode agregar empréstimos a esta atividade. De outra forma, teríamos uma empresa que não poderia crescer", avalia o empresário.