Título: Embaixador de negócios da China na América Latina
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 04/01/2007, Empresas, p. B5

A primeira lição para quem tem interesse em fazer negócios com os chineses é não se fiar demais em "leis internacionais, estudos contábeis, controles ou advogados internacionais". O "contato direto, a confiança e a paciência" são os ingredientes mais importantes para um bom relacionamento com os homens de negócios da China, ensina Franco Macri. Muito antes que a China se transformasse no maior e mais rápido tigre da Ásia, Macri já conhecia os empresários de lá, os funcionários do governo, visitava o país com certa freqüência e recebia autoridades daquele país em sua casa em Buenos Aires. Como reconhecimento desse longo relacionamento, Macri foi escolhido pelo governo chinês para ser seu principal contato para investimentos na América Latina. Em outubro, ele recebeu em Pequim o título de "Conselheiro Sênior para Investimentos" na região, da Associação para a Promoção e Desenvolvimento Industrial da República Popular da China (Capid, na sigla em inglês), entidade mantida por 700 empresas e conduzida pelo ex-ministro de Planejamento, Jiang Liu. Nesta entrevista, Franco relata como será seu trabalho e o interesse dos chineses na região.

Valor: Como foi sua aproximação com os chineses?

Franco Macri: Há cerca de 22 anos recebi na minha casa o presidente da China, Yang Shangkun, e a partir desse momento sempre mantivemos um certo relacionamento. A partir de 2002 iniciamos relações muito concretas e em todos estes anos quase sempre havia um diretor do nosso grupo lá. Eu mesmo e meu filho, Mariano Macri, estivemos na China várias vezes a cada ano.

Valor: Por que em 2002?

Macri: Bem, porque Argentina e Brasil atravessavam períodos complexos, tínhamos sofrido no Brasil com o câmbio e altíssimas taxas de juros e na Argentina com as mudanças políticas muito profundas. Tínhamos de pensar que, por alguns anos, deveríamos fazer negócios com outros países e escolhemos China.

Valor: Uma razão especial?

Macri: Não, mas com a relação que já havíamos mantido, tínhamos bem claro a enormidade de possibilidades que existiam na China e entre a China e América Latina. Construir uma relação com os chineses requer tempo, porque eles não se baseiam sobre leis internacionais, estudos contábeis, controles ou advogados internacionais para estruturar negócios. Eles se baseiam no conhecimento e na confiança direta. Eu pude fazer muitos amigos entre empresários e funcionários com quem tive dezenas de reuniões, almoços, jantares, viagens e este ano vou para lá para seguir com negócios que começamos.

Valor: Quais são estes negócios?

Macri: Uma série de negócios. Na América Latina estamos vendo com a China principalmente projetos no setor energético e transporte ferroviário que são de interesse direto nosso. Indiretamente, colaboramos com a China em seu interesse em petróleo, mineração, temos contrato para exploração de cobre nos Andes e já iniciamos a concessão da Belgrano Ferrocarril, uma ferrovia estratégica para Argentina, pois abarca 14 províncias cerealistas.

Valor: Em quê negócios os chineses estão interessados?

Macri: Do ponto de vista institucional, quero desenvolver interesses chineses em toda a América Latina, em energia, infra-estrutura (especialmente trens e metrôs), mineração, petróleo e agricultura, não necessariamente com participação do nosso grupo, mas em alguma coisa em que coincide nossos interesses poderemos ser sócios. No resto, cumprirei minha função na Capid.

Valor: Qual é a função da Capid?

Macri: É uma associação criada para facilitar investimentos chineses no exterior, e uma de suas funções é ajudar a China a entender cada vez melhor as idiossincrasias latino-americanas. Nesse sentido, estou em contato com grandes empresas no Brasil, Venezuela, Colômbia. Estive no Peru e vou convidar o presidente Alan Garcia para ir à China. Estamos iniciando os contatos.

Valor: Como será seu trabalho de aproximação dos investidores chineses com a América Latina?

Macri: Estou sempre disponível e, se na China necessitam ter uma opinião sobre investimentos, podem me consultar e eu darei minha opinião.

Valor: Quais serão suas primeiras atividades junto à Capid?

Macri: Há duas câmaras de comércio e negócios chinesas; queremos que haja apena uma. Vamos propor a criação de câmaras em todos os países latinos onde elas ainda não existam e que todas estejam em contato.

Valor: Quanto os chineses têm para investir na América Latina?

Macri: Não há projeção, porque os recursos que eles têm são superiores, creio, a qualquer programa de investimento latino-americano ou no mundo. Depende dos projetos. Não há limite. Nos setores de interesse eles têm capacidade para investir na América Latina e no mundo tudo o que seja necessário.

Valor: No Brasil, quais desses setores eles têm mais interesse?

Macri: Creio que no Brasil, na Argentina e em vários países, o importante agora é estudar a fundo setores que são do interesse de ambos. Por exemplo, um estudo global das necessidades de energia que têm cada país, um tema preocupante para o crescimento. Depois se pode falar em investimentos com uma empresa binacional, projeto por projeto, financiando e construindo.

Valor: Quais instituições financeiras, instituições chinesas estariam disponíveis para financiar?

Macri: O Banco de Desenvolvimento da China, que está abrindo sucursais em vários países da região.

Valor: Há contatos com governos da região?

Macri: Sim já tive contatos com Peru, Uruguai e Chile. Com Brasil não, porque estava esperando as eleições.

Valor: A diplomacia chinesa é ativa com os interesses comerciais do país?

Macri: A diplomacia cria vínculos de amizade e atua nos aspectos políticos da relação internacional. Mas se existe um interlocutor direto para cada investimento. A diplomacia não intervém. Para as relações de negócios, eles têm um Ministro de Comércio que é quem manda no banco de investimentos e dá o parecer final sobre os projetos.

Valor: Como é o relacionamento com esse Ministro de Comércio?

Macri: Como lá as empresas são todas ligadas ao estado, os empresários negociam com funcionários do estado. Eles se preocupam em ter todas as aprovações políticas. Não há um empresário chinês que tenha a liberdade que tem um ocidental, que dispõe de seu capital e não necessita avisar ao governo o que vai fazer. Tudo passa pelo governo, os empresários não fazem nada sem aprovação do governo. (JR)