Título: Cristina ainda aposta nas travas cambiais
Autor: Felício , César
Fonte: Valor Econômico, 16/10/2012, Internacional, p. A12

A presidente argentina, Cristina Kirchner, tomou uma medida de restrição cambial a cada quinze dias, em média, desde que se reelegeu, em 23 de outubro de 2011. Foram 23 iniciativas para limitar o acesso a moeda estrangeira.

O pacote gradual de proibições foi apelidado pela imprensa oposicionista de "cepo cambiário". "Cepo", em espanhol, possui dois significados: instrumento ou dispositivo que imobiliza, aprisiona ou sujeita um indivíduo e armadilha para se caçar animais. A expressão foi incorporada ao vocabulário do próprio governo. Em discurso há cinco dias, Cristina afirmou que promovia um "cepo democrático".

As travas afetaram a popularidade da presidente, sobretudo na capital do país, com protestos que culminaram em um panelaço que reuniu milhares de pessoas na Praça de Maio, local da sede do governo, há cerca de um mês. Mas economistas se dividem na avaliação das restrições. Mesmo críticos do governo afirmam que a presidente conseguiu impedir um colapso econômico logo após sua eleição.

Nos meses que antecederam a eleição, pessoas físicas e jurídicas da Argentina deixaram fora do país US$ 20,1 bilhões, sendo 40% deste total apenas entre julho e setembro de 2011. O fenômeno, chamado tecnicamente de "formação bruta de ativos no exterior pelo setor não financeiro", é normalmente tido como um processo de fuga de capitais. Impulsionadas pela falta de correção do câmbio, as importações subiam a um ritmo interanual de 40%.

"A presidente tinha que fazer alguma coisa, e fez. Ela tinha duas opções: atacar a causa, acelerando a desvalorização do câmbio e subindo a taxa de juros, ou atuar sobre os efeitos, controlando a demanda por dólares. Optou pela segunda", disse o economista Daniel Marx, da consultoria Quantum.

O balanço das medidas mostra que, na área comercial, houve uma queda de importações de US$ 3,5 bilhões nos oito primeiros meses do ano. A "fuga de capitais" caiu de US$ 9,7 bilhões para US$ 3,5 bilhões entre o primeiro semestre de 2011 e o deste ano. As remessas de lucros e dividendos, que haviam sido de US$ 2 bilhões na metade inicial do ano passado, caíram para apenas US$ 60 milhões. Mas, ainda assim, as reservas internacionais argentinas caíram, de US$ 48,2 bilhões para US$ 45,1 bilhões.

Cristina começou a agir em 31 de outubro, uma semana após a eleição, quando todas as compras de dólar por pessoas físicas do país passaram a ter que ser autorizadas pelo órgão da Receita Federal, a Afip. Na prática, a maior parte das transações passou a ser rejeitada.

A medida de maior impacto na economia atingiu a Argentina em fevereiro: a criação das "declarações juradas de antecipação de importações", ou DJAI, em que o importador teve que pedir autorização prévia para qualquer compra do exterior para um conjunto de órgãos. As importações argentinas caíram de forma quase imediata. O Brasil foi o país mais afetado: o superávit comercial do país com a Argentina nos oito primeiros meses do ano se reduziu em US$ 2,5 bilhões. "De todas as medidas, esta foi a que mais gerou custos para o setor produtivo, que ficou sem insumos e reduziu investimentos", comentou o economista Ricardo Delgado, da consultoria Analytica.

Em maio, entrou em vigor a medida mais traumática para os argentinos: eliminou-se, de uma vez por todas, a possibilidade de compra de dólar como forma de investimento, inclusive para a compra de imóveis. O efeito imediato foi a disparada do dólar paralelo: de uma diferença da ordem de 10% até então, a brecha entre a cotação oficial e a ilegal oscila entre 30% e 40% desde meados do ano.

Nas últimas semanas, começou a escalada de proibições na área de turismo: os viajantes argentinos inicialmente não puderam sacar em moeda estrangeira de caixas eletrônicos. A última medida, que entrou em vigor nesta semana, obriga as agências de turismo a pedirem autorização do fisco para cada pacote que vendem.

Mesmo em caso de descompressão econômica no próximo ano, a aposta mais usual entre economistas é que o "cepo cambiário" veio para ficar. "O governo precisará flexibilizar as regras para atrair investimentos, liberalizando a remessa de lucros e as importações. Mas, para pessoas físicas, não deve haver mudança enquanto Cristina for presidente", disse Delgado.