Título: TAM diz que crise foi um "acidente estatístico"
Autor: Adachi, Vanessa e Campassi, Roberta
Fonte: Valor Econômico, 22/01/2007, Empresas, p. B3

Passado um mês do caos que tomou conta das operações da TAM às vésperas do Natal, o presidente da companhia, Marco Antonio Bologna, avalia que o que ocorreu foi um "acidente estatístico com vítimas". O executivo afasta a tese de que a empresa teria cometido um erro ao perseguir o modelo de custos reduzidos e alta taxa de utilização dos aviões, espelhando-se na concorrente Gol. "Acreditamos no que estamos fazendo, que nosso modelo está correto. Nosso serviço diferenciado é o caminho e o passageiro entende que houve um evento fora da curva."

Até agora, Bologna vinha se mantendo longe dos holofotes, delegando a outros executivos a tarefa de explicar a crise ao público. Na primeira entrevista concedida depois do episódio, ele narra que, a partir do final da tarde do dia 20 de dezembro, uma improvável conjunção de três acontecimentos fez com que a crise se instalasse na operação da empresa . "A probabilidade de ocorrer algo assim é de um dia em 500 mil", afirma Bologna, baseando-se em cálculos feitos por sua equipe.

O executivo não acredita que a companhia poderia ter feito algo diferente para evitar o que aconteceu. "É claro que não tínhamos um plano de contingência para algo de tamanha dimensão", diz ele. "E nem é justificado ter um (do ponto de vista de custos), dada a baixa probabilidade de ocorrência", completa Líbano Barroso, vice-presidente de finanças da TAM.

Enquanto considera que o acaso foi determinante na crise, Bologna aponta como principal falha da TAM a precária comunicação com seus clientes. "A empresa não teve a capacidade de levar para a ponta de atendimento aos passageiros os dados que detinha", diz ele.

A consequência disso foi a potencialização do tumultuo nos aeroportos. "O passageiro dormia no saguão porque não sabia se o seu avião sairia daqui a pouco ou no dia seguinte." De acordo com o executivo, o modelo de comunicação está sendo repensado e já começou a mudar.

Bologna admite que houve inegável prejuízo à marca da TAM e contratou o Ibope para fazer uma pesquisa que ajudará a avaliar a extensão do dano.

Na sua avaliação a crise, iniciada no dia 20, foi "completamente debelada às 17h30 do dia 24". Dentro desse período de quatro dias, a TAM chegou a perder 14% de sua capacidade de oferta nos vôos domésticos. Foi como se dez dos 77 aviões usados nos vôos domésticos estivessem parados. Seis estavam efetivamente fora de combate, em manutenção, conforme noticiado à época. Mas o efeito cascata dos primeiros atrasos (perda de conexões, dificuldade de embarque de passageiros etc) equivaleu à paralização de outros quatro aviões.

Os três acontecimentos que levaram ao chamado "acidente estatístico" foram o fechamento temporário do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, no próprio dia 20, que ocasionou perda de conexão de oito vôos, a queda da comunicação entre a companhia e a Infraero no aeroporto do Galeão (Rio) e a já mencionada parada para manutenção de seis jatos.

Só a paralisação das aeronaves já foi um ponto fora da curva, segundo a empresa. O normal, segundo Bologna, é que em um dia 1% dos aviões necessite de manutenção não programada e deixe de voar por conta disso. Ou seja, de um total de 77 que fazem os vôos domésticos (a frota total da empresa é de 95 jatos), apenas um deveria ter apresentado problemas.

Entre os dias 21 e 24 de dezembro, a TAM embarcou 348 mil passageiros. Desses, 88 mil foram embarcados com menos de duas horas de atraso, alguns até pontualmente. Esses são os casos considerados normais. "O grave foram os 113 mil passageiros que saíram com atrasos superiores a quatro horas", diz o presidente. Para esses, a companhia, por lei, teve que pagar hospedagem, alimentação e traslados.

Cerca de cinco mil passageiros nesses dias de crise foram colocados em aviões de terceiros, entre companhias concorrentes e aviões fretados da Força Aérea Brasileira (FAB). "Cinco mil passageiros equivalem a mais ou menos sete aviões a mais em operação e essa é a maior prova de que o problema não foi overbooking, porque esse é mais ou menos o número de nossos aviões que ficaram parados", diz Bologna, defendendo-se da principal acusação feita à empresa naqueles dias de tumultuo.

O nível de overbooking (passagens vendidas além do número de assentos de cada avião) praticado naqueles dias era de aproximadamente 4%, bastante abaixo da taxa normal, que gira em torno de 10%, 12%. No período de festas de fim de ano as empresas reduzem a taxa de overbooking porque é muito menor a probabilidade de que o passageiro não compareça.

"O overbooking precisa ser rediscutido mundialmente e ele poderia acabar, desde que acabasse também o 'no show' de passageiros", opina Bologna. "O setor aéreo é o único em que o cliente não aparece e pode usar a passagem que comprou num outro dia."

Além de corrigir os processos de comunicação internos, Bologna diz que a empresa tirou outras duas lições da crise. Uma delas é em relação aos locais escolhidos para estacionar as aeronaves reserva. Acredita-se que poderiam estar posicionadas de forma mais estratégica. A outra é quanto à logística de manutenção de aeronaves. "Percebemos que poderíamos ter uma recuperação mais rápida." Por exemplo, se um avião estraga em Santarém (PA), o normal é que uma peça de reposição seja embarcada no próximo vôo comercial para esse destino. "Mas o melhor, no caso, seria fretar um jato executivo e acelerar as coisas."

Bologna reafirma que o problema não foi o modelo de negócios. "Por que não aconteceu com a Gol? Nossos aviões estavam voando menos horas do que os deles", diz. "É claro que, se fôssemos mais ineficientes (se aviões voassem menos horas), a recuperação da crise teria sido mais rápida."

Segundo Líbano Barroso, a crise trouxe perdas financeiras à empresa. "O impacto estará consolidado no balanço do quarto trimestre, mas não é nada que afetará substancialmente o nosso resultado."

Para o presidente da TAM, o caos produzido naqueles dias teve três prejudicados. "O primeiro deles foram nossos passageiros, a quem temos que pedir desculpas." Os funcionários da empresa também foram vítimas, diz ele, que viveram sob grande tensão e sofreram agressões. "De 9 mil pessoas da nossa linha de frente, tivemos apenas uma funcionária que abandonou seu posto de trabalho."

O terceiro prejudicado foi a própria empresa, a marca. Bologna acredita que as vendas da empresa poderão ser afetadas, mas de forma passageira. "Vamos recuperar a relação com nosso cliente com prestação de serviço. Voltaremos a ser o que éramos antes, líderes em eficiência operacional."