Título: Cidade tomada pelo medo
Autor: Khodr, Carolina; Edson Luiz
Fonte: Correio Braziliense, 25/11/2010, Brasil, p. 15

Moradores relatam apreensão pela manhã, com troca de tiros sem fim. Presos perigosos são transferidos para o Paraná

Rio de Janeiro ¿ Em um dia em que o Rio viveu sob o signo do medo, os cariocas da Vila da Penha, na Zona Norte do Rio, se arrumaram para ir para o trabalho sob barulho de tiros. Alguns preferiram ficar em casa. Foi o caso da biomédica Gabriela Leal de Barros. ¿Deixei de sair porque não sabia direito onde estava acontecendo o tiroteio. Foram muitos tiros pela manhã. Antes, eu me sentia segura para andar no bairro. O medo era de sair à noite. Agora há insegurança em qualquer horário¿, lamentou Gabriela.

Alex Melo também mora na Vila da Penha, perto do Morro da Fé, onde houve confronto entre policiais militares e traficantes, que incendiaram veículos nos últimos dias na região. Um posto de gasolina serviu de abrigo para os moradores que passavam por ali, inclusive crianças que iam para a escola. ¿O tiroteio não parou desde as 10h30. Todos estão muito assustados¿, relatou.

Assim como ocorreu em outros bairros, sobretudo do subúrbio do Rio, houve carros e ônibus queimados e cabines da PM metralhadas por bandidos. Diante do caos, a Vila da Penha teve parte de seus estabelecimentos fechados mais cedo. ¿Um vizinho tem um bar na Praça do Carmo que costuma fechar por volta das 20h. Hoje (ontem) ele encerrou tudo às 14h¿, disse Alex.

Segundo o coronel Lima Castro, coordenador de comunicação da polícia militar do Rio, a Vila Cruzeiro ¿ uma das favelas da região ¿ é o lugar mais crítico na cidade. O Bope fez uma incursão no morro em busca dos traficantes durante todo o dia. ¿Nós não começamos essa guerra. Fomos convocados e temos capacidade técnica de vencê-la. Esses traficantes estão drogados e não têm capacidade de reposição de homens. Nós podemos cercá-los¿, argumentou.

O governador Sérgio Cabral pediu para a população manter a rotina. ¿Isso é desespero dos marginais, percebendo que há em curso uma política de retomada de território. Eles querem pânico. Tudo o que eles querem é a sociedade acuada. Isso não vai acontecer¿, discursou o político.

Transferência A ação dos bandidos durante a madrugada fez com que o comando da PM colocasse todo seu efetivo, de 17, 5 mil homens, de prontidão logo pela manhã. Ex-chefe do Comando de Operações Táticas da Polícia Federal (COT), Eduardo Sampaio acredita que os episódios são ações de retaliação do crime organizado. ¿É um reflexo do trabalho dos últimos dois anos da atuação da força policial no estado¿, destacou. De acordo com o especialista em segurança pública, a ocupação das comunidades deve ser realizada de forma contínua. ¿Antes, as operações eram pontuais e as facções criminosas rivais se aproveitavam das operações policiais para retomar os morros¿, explicou. Para o especialista em segurança pública, a ocupação deve ser permanente e a força policial não pode se intimidar com a reação dos grupos criminosos. ¿Os bandidos descem porque estão se sentindo ameaçados.¿

O governo do estado encaminhou oito detentos do Complexo Penitenciário de Gericinó, na Zona Oeste, para o presídio federal de Catanduvas, no Paraná. Esses presidiários são acusados de liderar os ataques. Eles foram transportados até o Aeroporto Internacional do Galeão de helicóptero, e de lá seguiram em avião da Força Aérea Brasileira (FAB).

Depoimentos

¿Um tempo atrás, pensava duas vezes antes de sair de casa à noite, já que que os acontecimentos relacionados à violência eram mais frequentes nesse horário. Atualmente, nós temos medo de sair de casa a qualquer hora do dia. Essa realidade, além de ser revoltante, é muito frustrante¿ Glaucia Rispoli, advogada

¿Desprotegida e assustada. É assim que estou. Não me sinto segura nem dentro de casa. Vamos rever a segurança e as leis do país. Já é um começo. Como eu vou ter calma sabendo que posso sair e o transporte em que estou pode ser incendiado?¿ Carolina Carvalho, estudante

¿Acordei às 6h30 e fui para a academia em frente de casa, na Rua Maria do Carmo (Vila da Penha, Zona Norte). Por volta das 8h30 todos os alunos da academia repararam numa nuvem de fumaça negra enorme. Começamos a desconfiar que fosse algum carro incendiado¿ Alex Melo, assessor de imprensa

¿Sempre estivemos seguros e só agora que a violência estourou? É só no Rio? Não consigo deixar de pensar no que há por trás disso tudo. Fiquei pensando na taxa de criminalidade de São Paulo que é bem maior do que a do Rio¿ Bruno Azevedo, empresário