Título: Apesar de ingerências, setor na Argentina atrai estrangeiro
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 22/01/2007, Agronegócios, p. B10

Apesar das intervenções do governo, que de um ano para cá passou a controlar os preços e a contingenciar as exportações de carne bovina da Argentina, o setor está no alvo dos investidores internacionais. O grupo americano Tyson Foods, um dos maiores do mundo no setor de carnes, anunciou este mês uma joint venture com a Cresud, subsidiária do grupo argentino IRSA, e com a companhia americana de confinamento de gado Cactus Feeders. A empresa criada com a associação será a primeira investida da Tyson em uma operação verticalmente integrada de carne bovina na América do Sul, para fornecer o produto para o mercado interno e para a exportação. A expectativa é que a joint venture gere vendas de US$ 30 milhões a US$ 35 milhões já este ano.

A pecuária bovina argentina voltou a receber investimentos estrangeiros em 2000, depois de quase 70 anos concentrada nas mãos de empresários locais. Desde então, o setor já recebeu investimentos ingleses e americanos, mas principalmente brasileiros.

O frigorífico Friboi adquiriu a Swift Armour no fim de 2005 e ano passado comprou unidades da Companhia Elaboradora de Produtos Alimentícios (Cepa) , que tinha falido, em leilão. Hoje, o Friboi já é um dos maiores exportadores da Argentina e estima-se que a empresa já investiu mais de US$ 300 milhões em suas aquisições.

O cenário atual, no entanto, não parece ser dos mais estimulantes. Em março de 2006, o governo suspendeu as exportações de carne por dois meses, depois liberou apenas 80%. O objetivo é segurar os preços internos, já que a cotação da carne está em alta graças a uma conjunção de fatores econômicos. "A demanda por carne cresceu muito na Ásia, Europa e Estados Unidos, e a oferta foi reduzida depois que os EUA registraram casos de vaca louca e a Argentina reduziu suas vendas", explica Marcelo Fielder, secretário executivo da Sociedade Rural Argentina (SRA).

Preocupado em segurar a inflação em um dígito, o governo restringiu as vendas externas de carne bovina para garantir o abastecimento e estabeleceu um teto para os preços de 12 cortes entre os mais consumidos na Argentina. A meta foi cumprida, o Índice Geral de Preços argentino (no qual a carne tem um peso de 4,5 pontos), fechou 2006 em alta de 9,8%.

Mas o setor padeceu com a intervenção governamental. Segundo dados da SRA, o volume de investimentos da pecuária bovina em estrutura, genética e alimentação caiu US$ 300 milhões, de US$ 900 milhões em 2005 para US$ 600 milhões em 2006. A produção baixou 2,2%, para 3,063 milhões de toneladas entre 2004 e 2006.

Um relatório da Secretaria de Agricultura, divulgado no fim de dezembro, revela que as exportações caíram no ano passado, de 300 mil toneladas para 200 mil, reduzindo a participação relativa da Argentina nas vendas de carnes frescas em 2006 de 21,1% e 23,9% em volume e valor para 14,5% e 18,5% respectivamente.

"O contingenciamento favoreceu nossos competidores como Uruguai, Brasil e Oceania", comentou Miguel Gorelik, presidente do Quick Food, um dos poucos grandes frigoríficos que permaneceram sob controle exclusivo de argentinos. Com a alta dos preços da soja, muitos pecuaristas decidiram reduzir a área de gado para investir em grãos. Estima-se que a pecuária perdeu 6 milhões de hectares nos últimos dois anos para a soja.

O que levaria então os estrangeiros a jogarem suas fichas no mercado argentino? Fielder lembra que o Brasil pode estar na liderança em produção e exportação, mas a carne argentina continua reconhecida como de melhor qualidade no mundo, e as medidas de restrição do governo não atingiram a cobiçada Cota Hilton, pela qual a Argentina exporta, desde os anos 80, sua melhor carne ao mercado europeu, ao preço aproximado, hoje, de US$ 10 mil a tonelada.

Além disso, com o ritmo quase "chinês" de crescimento da economia argentina (entre 8% e 9% ao ano nos últimos quatro anos), o consumo interno disparou. O argentino, que já era o povo que mais consumia carne no mundo, elevou seu consumo anual per capita de 60 para 70 quilos.

"O governo está olhando para as eleições de outubro [quando adota medidas restritivas]. A aposta de grupos como o Tyson é de longo prazo", conclui Fielder. (JR)