Título: Com queda nos negócios, Mercado de Liniers vive crise
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 22/01/2007, Agronegócios, p. B10

Nestes dias de sol e céu azul do verão em Buenos Aires, uma nuvem negra paira sobre o tradicional Mercado de Liniers. Único mercado livre de gado do mundo situado no centro de uma grande capital, referência não só para a pecuária argentina mas para a de países como Russia e Israel, que compram carne argentina, o Liniers passa por uma das piores fases em 100 anos de existência.

Os problemas começaram em novembro passado, quando uma lista de "sugestão" de preços máximos para o quilo do animal vivo passou a circular entre os negociantes daquele recinto. A lista é apócrifa, mas todos sabem de onde vem: da Secretaria de Comércio, ligada ao Ministério da Economia, órgão responsável pelo controle de preços do país e que age como uma espécie de xerife, em defesa dos preços baixos e do cumprimento de uma meta de inflação não declarada.

Por aquela lista, por exemplo, o quilo do novilho vivo (de 431 a 460 quilos) não pode passar de 2,55 pesos - o equivalente a US$ 0,85. No entanto, na negociação direta entre produtores e frigoríficos ou nas feiras municipais espalhadas pelo país, o novilho vem sendo negociado entre 2,60 pesos e 2,90 pesos o quilo, bem acima do preço praticado em Liniers.

Com a interferência na formação de preços no recinto do Mercado, os pecuaristas, frigoríficos, redes de varejo e intermediários passaram a fazer negócios fora. O resultado foi que o movimento de gado em Liniers caiu de cerca de 20 mil cabeças diárias para apenas 6,5 mil a 7 mil por dia, e o mercado deixou de ser referência para os negócios do setor. No auge de comercialização, no início dos anos 80, chegaram a entrar 36 mil cabeças diárias, que é o número de animais que o parque pode receber.

Segundo Marcelo Fielder, secretário executivo da Sociedade Rural Argentina (SRA), além do movimento menor em Liniers, o gado lá comercializado é de baixa qualidade, beneficiado pela fixação de preços que não obteria se fosse negociado diretamente.

A rotina não mudou em Liniers, um belo parque arborizado, situado no bairro de Mataderos, a cerca de 40 minutos do centro de Buenos Aires. A partir de 7 horas da manhã, representantes de frigoríficos e grandes supermercados circulam entre os currais numerados, a pé ou a cavalo, para verificar o que está em oferta e definir o que lhes interessa. Às 7h45 um sino bate para avisar que às 8 horas começa o leilão público dos animais. Porém, de seus mais de dois mil pequenos currais, espalhados pelo imenso parque de 32 hectares, onde os animais à venda são expostos, uma meia dúzia está sendo ocupada diariamente. O resto é um imenso vazio.

Conhecido em todo mundo por sua importância e tamanho e pelas acaloradas disputas de preços em viva-voz durante os remates, Liniers recebe todo dia visitantes estrangeiros, como um grupo de seis estudantes americanos do Kansas que estavam ali no último dia 12 pela manhã, levados pelo Instituto de Estudos para Excelência Competitiva.

O Mercado mantém uma estrutura completa para a negociação de gado bovino, com a ampla área de pequenos currais, sobre os quais passa uma rede de passarelas, para que os compradores possam circular com mais agilidade, escolher e levar suas propostas aos leilões.

Comporta ainda 40 balanças automáticas, 450 áreas para entrada e saída dos animais, garagens para os caminhões e escritórios para os órgãos públicos envolvidos na comercialização como a secretaria de defesa sanitária e a de controle de comércio. Abriga também um sistema de comunicação pública composto de estúdios de rádios e emissoras de TV especializadas no assunto, que transmitem desde o Mercado para todo o país.

Além de 200 funcionários diretos, Liniers dá trabalho indiretamente a 2.500 pessoas entre empregados das firmas consignatárias (corretoras), compradores, transportadores, agentes de segurança e empregados dos meios de comunicação que funcionam dentro do parque.

Hoje, os funcionários do Mercado temem pelo desemprego. Gabriel Voto, um rapaz de 28 anos, funcionário que trabalha no depósito de materiais, carrega uma expressão tensa no olhar, enquanto faz as vezes de "guia de turismo", levando visitantes para conhecer as instalações.

"Todos estão preocupados", desabafa Voto, depois de cumprimentar dois amigos, também funcionários, que às 8h30 estão sentados num banco em frente a um dos prédios administrativos, próximo à porta de entrada, fumando um cigarro e conversando baixinho. Com tal queda de movimento, há muito pouco para fazer.

"Espero que isso se solucione", disse amargurado ao Valor o presidente do sindicato dos empregados do Mercado de Liniers, Osvaldo Macri, lembrando que cada consignatária empregava pelo menos quatro peões quando movimentava uma média de cinco mil cabeças de gado. Agora, com um movimento de apenas um mil ou pouco mais, não precisa de mais que um empregado.

"É uma lástima porque, ao impedir a formação de preços pela oferta e demanda, os frigoríficos ficam livres para fixar os preços aos produtores, o que é prejudicial principalmente para os pequenos e médios pecuaristas", diz Andres Menizabal, dono de uma das 55 empresas consignatárias credenciadas para vender em Liniers.

Em sua longa história, o Mercado de Liniers já sofreu crises sérias, desde inundações até a disputa entre os órgãos públicos federais e provinciais pelo seu controle. Até que em 1992 foi privatizado para a empresa que o administra até hoje, a Mercado de Liniers S/A, um consórcio entre as próprias consignatárias. O Valor procurou a direção da Mercado de Liniers S/A na semana passada, por telefone e por e-mail, mas não foi atendido.