Título: Bancos britânicos aceleram recompra de seus títulos
Autor: Watkins , Mary
Fonte: Valor Econômico, 16/10/2012, Finanças, p. C13

Provavelmente não é o que as autoridades britânicas pretendiam. Os bancos britânicos se aproveitaram da medida "financiamento para empréstimos" criada pelo governo, que lhes deu acesso a dinheiro barato, para recomprar bilhões de libras esterlinas em títulos que emitiram para investidores. O programa de empréstimos anunciado em junho permite que os bancos tomem dinheiro emprestado do Banco da Inglaterra (BoE, o banco central britânico) a baixo custo, em troca do compromisso de emprestar para pessoas físicas e jurídicas.

Ainda há poucos sinais de que a economia do país esteja se beneficiando com a medida. Nos bastidores, cresce a preocupação de que o "financiamento para empréstimos" está se tornando mais um fator de distorção do mercado europeu de títulos de bancos.

A emissão de bônus pelos bancos em toda a Europa caiu em relação aos níveis dos anos anteriores, na medida em que as instituições financeiras reagiram à crise da dívida da zona do euro e ao enrijecimento das exigências de ordem regulatória por meio da venda de ativos e de ajustes em suas demonstrações de resultados.

Agora o programa do BC britânico, bem como a oferta do Banco Central Europeu (BCE) de emprestar dinheiro barato por três anos, por meio de suas operações de refinanciamento de mais longo prazo, está contribuindo para a escassez de emissões, já que os bancos estão contando mais com recursos oficiais. O plano, além disso, está estimulando os bancos a recomprarem títulos pelos quais estão pagando retornos mais elevados aos investidores.

O Deutsche Bank estima que os bancos europeus adquiriram ou trocaram, por meio de operações de "swap", pelo menos € 46 bilhões em papéis até esta altura do ano, contra cerca de € 27 bilhões no ano passado e € 41 bilhões em 2010.

Os bancos espanhóis já vinham recomprando papéis garantidos para usar como aval para tomar recursos baratos junto ao BCE. Nos últimos três meses essa tendência se deslocou para a recompra, pelos bancos britânicos, de seus papéis. O Royal Bank of Scotland (RBS), o Lloyds e o Barclays se ofereceram para comprar dos investidores títulos seniores em libra, euro e dólar.

O propósito das recompras, diz o Lloyds, é eliminar financiamento caro e utilizar o dinheiro excedente imobilizado no balanço patrimonial do banco. A instituição dispunha de cerca de 105 bilhões de libras em ativos líquidos primários no fim de março, mas está obrigada a deter apenas cerca de 70 bilhões de libras.

O RBS diz que a recompra de seus títulos seniores representa o mais recente estágio de sua história de recuperação e um esforço para administrar o que Stephen Hester, o principal executivo do RBS, chamou de "constrangimento de liquidez". Alguns investidores, no entanto, advertem que, num período em que os bancos reagem à lentidão do crescimento e à crise da zona do euro ajustando suas demonstrações de resultados, mais recompras reduzirão ainda mais o volume de papéis desse tipo em circulação no mercado.

Christine Johnson, diretora do fundo Old Mutual Corporate Bond, diz que bancos como o RBS sinalizaram que estão agora mais interessados em resgatar bônus do que em emitir novos instrumentos de dívida. "Se você pode financiar de forma muito mais barata por meio do banco central para maximizar sua margem de juros líquida, há nitidamente um incentivo para fazer exatamente isso", diz.

Richard Thomson, analista-sênior de crédito do Henderson Global Investors, prevê uma oferta apenas limitada de títulos seniores não garantidos a serem emitidos pelos bancos europeus nos próximos meses. No Reino Unido, "alguns bancos estão, com certeza, recomprando bônus privilegiados e recorrendo, por outro lado, aos recursos do governo para conceder empréstimos", diz ele.

O ponto positivo para os investidores é que ter menos títulos em circulação acrescenta um ágio aos papéis, devido a menor oferta. Mas os analistas destacam que esses "exercícios de administração de passivo", pelos quais os bancos se oferecem para recomprar ou trocar papéis, muitas vezes a preço inferior ao de face, são realizados por uma série de motivos e com uma série de categorias de ativos.

O Citi estima que os bancos europeus recompraram o equivalente a cerca de € 14 bilhões em bônus nos últimos três meses, comparativamente a aproximadamente € 1 bilhão de recompras de títulos realizadas no primeiro trimestre.

Alastair Ryan, analista do UBS, diz que no curto prazo a recente tendência de recomprar bônus deverá permanecer como seara exclusiva dos bancos britânicos, que estão mais bem financiados do que seus concorrentes da zona do euro. As recompras facilitarão para os bancos o uso mais eficiente de seu capital, mas não se traduzirão, necessariamente, em maior volume de empréstimos para pessoas físicas e jurídicas. "Mesmo com o programa de financiamento para empréstimos, os bancos continuam limitados por normas que, na prática, restringem sua capacidade de emprestar."