Título: Formação de quadrilha encerra julgamento
Autor: Basile, Juliano; Magro, Maíra; Exman, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2012, Política, p. A6

O relator do processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, indicou, ontem, que vai pedir, hoje, a condenação do ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu por formação de quadrilha. Os demais ministros ainda não votaram essa questão, pois aguardam pela conclusão do voto do relator sobre o último item em julgamento - a quadrilha do mensalão que envolve 13 réus.

"A quadrilha descrita na denúncia praticou diversos crimes para o qual foi formada", afirmou Barbosa, que, hoje, vai continuar o seu voto. Ele leu 30 páginas e restam 50.

Segundo o relator, Dirceu comandava o núcleo político que orientava as ações do núcleo publicitário e que agia em concurso com o financeiro. A quadrilha teria sido organizada através de um "engenhoso esquema" de obtenção de empréstimos fraudulentos junto ao Banco Rural que permitiu o posterior repasse de valores a políticos.

Além de Dirceu, respondem por quadrilha: o ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, o publicitário Marcos Valério, seu advogado Rogério Tolentino, seus sócios Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, sua ex-diretora financeira Simone Vasconcellos, sua ex-secretária Geiza Dias, a ex-presidente do Banco Rural Katia Rabello, o vice-presidente da instituição Vinícius Samarane e os ex-dirigentes do banco José Roberto Salgado e Ayanna Tenório.

Barbosa disse que Valério agendava reuniões de Kátia Rabello com Dirceu, agindo como intermediário entre o então chefe da Casa Civil e o Rural. Segundo ele, o publicitário também marcou encontros para Dirceu com "empresários com interesses em negócios no nosso país". Como exemplo, ele citou viagem de Valério, Tolentino e do ex-tesoureiro do PTB Emerson Palmieri para Lisboa, onde teriam tratado do interesse da Portugal Telecom em adquirir a Telemig. "Em meio a essa negociação que era acompanhada por Dirceu, surgiu a possibilidade de a empresa doar 8 milhões de euros para o pagamento de dívidas de campanha do PT", apontou Barbosa. "Dirceu mobilizou Valério e Tolentino para irem a Portugal e falarem com o presidente da empresa. Como Dirceu vinha sendo pressionado por Roberto Jefferson para pagar o que devia ao PTB, ele pediu que encaminhasse alguém do partido [Palmieri]."

O relator também citou um encontro de Dirceu com o presidente de um banco português que estaria interessando em investir em hotéis no Brasil. "Não é crível que o Banco Espírito Santo precisasse da presença de Valério numa reunião com o chefe da Casa Civil para tratar de investimentos no litoral da Bahia", disse Barbosa. "Essas reuniões não são fatos isolados. Tratam-se de elementos de convicção."

Antes de iniciar o julgamento sobre a quadrilha, o STF chegou a um empate com relação à acusação de lavagem de dinheiro contra os ex-deputados Paulo Rocha (PT-PA) e João Magno (PT-MG) e o ex-ministro dos Transportes Anderson Adauto. O empate ocorreu porque os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e o presidente, Carlos Ayres Britto, condenaram os três e utilizaram argumentos fortes para tanto. Antes da sessão de ontem, havia cinco votos para absolvê-los e apenas dois para condená-los. Ao fim do dia, o placar era de cinco votos a cinco. "O intuito de lavar e de agir com dolo resulta evidente do comportamento desses três réus em particular", afirmou Celso. "Eles objetivavam conferir aparência lícita a um dinheiro de origem ilícita, a um dinheiro sujo."

Rocha é acusado de receber R$ 820 mil de Valério, Magno obteve R$ 360 mil e Adauto teria sido beneficiado com R$ 950 mil. Mendes ressaltou que os recursos não vieram do PT, mas foram transferidos através de uma "engenharia financeira criada e administrada por Valério e seus sócios", que era de conhecimento prévio dos três réus. "Não há como se acolher a tese da ignorância", disse o ministro. "Foram transferências de recursos que não encontram legitimidade ética e legal", disse Mendes.

Britto também concluiu que houve ocultação da origem do dinheiro recebido pelos políticos. "Eu tenho que fazer uma diferença entre engenharia financeira, que me parece que era do conhecimento dos três que receberam, e do modo heterodoxo, não usual, matreiro para não dizer malandro sobre como os saques eram feitos", disse Britto. O presidente e Mendes lembraram que houve recebimento de dinheiro em hotéis e que os saques eram feitos em valores altos e incomuns. "Esses fatos estão com as vísceras expostas", continuou Britto. "Eles gritam. Cegar para essa realidade é golpear a própria sociedade."

O presidente defendeu ainda a atuação do Supremo e fez uma análise da repercussão política do julgamento do mensalão. "Nós estamos fazendo um julgamento rigorosamente jurídico, mas que tem consequências politicas. É um julgamento que excomunga certos modos de fazer aliança à base de propina, de desvio de dinheiro público. É o sistema jurídico que excomunga certo modo de fazer política", enfatizou Britto.

Barbosa e o ministro Luiz Fux já haviam votado pela condenação desses três réus na semana passada. Já os ministros Ricardo Lewandowski, revisor do processo, Rosa Weber, José Antonio Dias Toffoli, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Marco Aurélio Mello foram pela absolvição de Rocha, Magno e Adauto.

Dado o empate quanto a esses três réus, o STF vai ter que definir a forma de superar o impasse. Lewandowski defende que deve prevalecer o princípio do "in dubio pro reo", que beneficia os réus em caso de empate. Já Marco Aurélio entende que deve valer o Regimento do STF que estabelece que o presidente deve proferir o voto de desempate. A definição também vai afetar o ex-deputado pelo PMDB José Borba, atual prefeito de Jandaia do Sul (PR). O STF ficou em cinco votos a cinco ao julgá-lo por lavagem de dinheiro.

No início da sessão, Mendes pediu para reajustar o seu voto pela absolvição do publicitário Duda Mendonça e condenou-o por evasão de divisas. Barbosa fez o mesmo, seguindo Mendes. A mudança no placar não alterou o resultado, já que Duda havia sido absolvido, antes, por nove votos a um. O placar final ficou em sete votos a três.

A revisão de dois votos mostrou que a dinâmica adotada pelo STF, fatiando os itens do mensalão, tornou o julgamento imprevisível. Advogado de Duda, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, ficou tenso com o reajuste dos votos. "Está proclamado o resultado da absolvição? Posso ficar tranquilo?", disse Kakay aos ministros da Corte.

A pedido de Barbosa, Ayres Britto marcou uma sessão extra do mensalão para terça-feira. O objetivo é o de tentar concluir o julgamento na semana que vem, que terá sessões de segunda a quinta. Barbosa viaja para Dusseldorf, na Alemanha, no dia 29, para tratar as dores crônicas na coluna e quer terminar o julgamento antes disso.