Título: Mercosul fica estagnado e países partem para negociações bilaterais
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 22/01/2007, Brasil, p. A2

O Equador desistiu de tornar-se membro pleno do Mercosul. A Bolívia solicitou a entrada no bloco, mas com a condição de não perder suas vantagens nos mercados andinos. O pedido dos bolivianos será avaliado nos próximos seis meses. Assim, a cúpula do Mercosul, encerrada sexta-feira no Rio, terminou sem a esperada ampliação do bloco e com poucos resultados práticos. Sem acordo em relação aos principais temas na agenda do encontro, os países privilegiaram reuniões bilaterais para discutir cooperação e investimentos.

"Para que pedir o status de membro pleno do Mercosul? Temos aproveitado as vantagens que nos dá a situação de membro associado", afirmou o presidente do Equador, Rafael Correa, após o encerramento da cúpula. Ele afirmou que o objetivo no curto prazo é fortalecer a Comunidade Andina (CAN) e buscar através desse bloco uma convergência com o Mercosul. Nessa semana, o equatoriano Freddy Ehlers assumiu a secretaria-geral da CAN.

As declarações de Correa surpreenderam, porque o ingresso do Equador no Mercosul era uma de suas promessas de campanha. Apesar de eleito com uma retórica semelhante a do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, a decisão de Correa foi pragmática. Estados Unidos, Colômbia e Peru são os principais clientes do Equador, enquanto Brasil, Argentina e até a Venezuela são parceiros comerciais pouco relevantes.

O ingresso da Bolívia no Mercosul provocou polêmica no encontro. O Brasil apoiou a entrada do país no bloco por questões políticas, mas os sócios menores preferiram evitar os erros cometidos na adesão da Venezuela, realizada às pressas. O Uruguai reclama que o compromisso da Venezuela é menos rígido, já que o país ainda não adotou a Tarifa Externa Comum.

O governo brasileiro também não conseguiu aprovar medidas para diminuir a insatisfação de Uruguai e Paraguai com os rumos do Mercosul. O Brasil propôs acabar com a dupla cobrança da TEC e flexibilizar as regras de origem para os produtos desses países, mas recuou frente a pressão da Argentina e do setor industrial brasileiro. O único resultado concreto da cúpula foi a aprovação de 11 projetos que receberão US$ 70 milhões de financiamento do Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (Focem).

Sem condições de obter mudanças significativas no âmbito do Mercosul, o Brasil acenou, nas reuniões bilaterais, com investimentos e benefícios para Bolívia, Equador, Paraguai, Uruguai e até para a Venezuela. Os países menores aproveitaram a disputa entre Brasil e Venezuela pela liderança na região para tirar seus pleitos do papel. O Brasil aceitou mudar o indexador da dívida de Itaipu, retirando o impacto da inflação americana, um antigo pedido do Paraguai. "Estamos satisfeitos com o acordo", disse o ministro das Relações Exteriores do Paraguai, Rubén Ramírez.

Ele estimou que a medida representará uma economia de US$ 10 bilhões para Itaipu Binacional até 2023 e reduzirá os preços da energia no Paraguai. O chanceler paraguaio disse que o conselho da empresa terá que se reunir para implementar a decisão e previu que em cerca de 120 dias o tema estará resolvido.

Na área comercial os sócios menores continuam insatisfeitos. O chanceler paraguaio reconhece que há tarefas pendentes para melhorar a facilitação de comércio e reduzir o tempo de espera nas aduanas. Ramírez, cujo país estará na presidência do Mercosul até junho, evitou posicionar-se em relação a uma das maiores polêmicas do bloco: a disputa entre Argentina e Uruguai em torno da instalação, em território uruguaio, de duas fábricas de celulose.

O contencioso levou o presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, a permanecer poucas horas no Rio para o encontro de presidentes. Analistas viram no episódio a reafirmação da insatisfação do Uruguai com o Mercosul. Vázquez nem chegou a se reuniu com o presidente da Argentina, Nestor Kirchner, que manteve encontros bilaterais com Chávez e Lula. Fonte próxima ao presidente argentino avaliou que, apesar das diferenças na implementação das medidas de apoio aos sócios menores, Brasil e Argentina passam por uma etapa positiva do relacionamento bilateral. Com Chávez, Kirchner tratou da exportação de máquinas agrícolas para a Venezuela, entre outros temas.

No fim da reunião, os presidentes dos 11 países da América do Sul presentes ao encontro assinaram uma declaração conjunta. No primeiro parágrafo, reiteram o compromisso com a democracia. A afirmação, que é praxe nessas declarações, torna-se complicada em um momento em que a Venezuela anuncia estatização de empresas. Mas o governo de Chávez não enxergou nesse ponto uma reprimenda ao seu país.

Os países também pedem a retomada das negociações da Rodada Doha, com o fim dos subsídios agrícolas. A Venezuela queria uma menção ao apoio doméstico aos pequenos produtores rurais, mas não conseguiu.