Título: Gilmar Mendes e Lewandowski batem boca
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2012, Política, p. A7

O Supremo Tribunal Federal (STF) marcou uma sessão extra, na manhã de ontem, para julgar outros processos que não o mensalão, mas o espectro da Ação Penal nº 470 foi mais forte e os ministros acabaram travando uma discussão tensa por causa daquele processo.

"Vossa Excelência quer fazer críticas ao meu voto. É a segunda vez em 15 dias", disse o ministro Ricardo Lewandowski a Gilmar Mendes.

O debate aconteceu quando eles discutiram se deveriam desmembrar o inquérito em que o ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho foi acusado de compra de votos nas eleições municipais de 2004, em Campos dos Goytacazes. Pelo desmembramento, apenas Garotinho, que é deputado federal e tem direito a foro privilegiado, responderia ao processo no STF. Os demais réus que participaram daquela campanha municipal e também foram acusados de compra de votos responderiam na 1ª instância.

Ao votar a questão, Lewandowski lembrou que, no mensalão, ele defendeu o desmembramento. "Estamos gerando uma espécie de hipertrofia no STF na medida em que passamos a julgar questões que são de competência tipicamente das instâncias inferiores", disse o revisor do mensalão. "O paroxismo dessa hipertrofia se revelou na Ação Penal nº 470 que paralisou essa Corte por três meses", completou. "Se nós persistirmos nessa sistemática, em médio prazo, inviabilizaremos os trabalhos dessa Suprema Corte", advertiu.

Lewandowski justificou que deveria manter coerência com o seu voto no mensalão, no qual defendeu que apenas três dos 38 réus respondessem ao processo no STF, pois são os únicos com foro privilegiado - os deputados João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT).

Mendes lembrou, então, que, ao julgar um processo contra Paulo Maluf, ex-prefeito de São Paulo, Lewandowski teria defendido um "remembramento" dada a conexão dos supostos crimes imputados a esse réu com outros que também respondiam às acusações e não tinham foro privilegiado. "Se fôssemos levar ao extremo as situações diversas e afirmar que o STF só julga os casos daqueles que têm prerrogativa de foro, eliminaríamos até os casos singelos de coautoria", disse Mendes.

"Não me venha apontar incongruência", rebateu Lewandowski. "Eu não sou aluno de Vossa Excelência. Somos juízes e pares. Senão, vamos travar uma comparação de votos", completou.

"Vossa Excelência pode fazer a comparação que quiser", respondeu Mendes.

Lewandowski reiterou, então, que é professor na Universidade de São Paulo e não admitiria correções aos seus votos. "Eu não sou aluno. Sou professor na mesma categoria de Vossa Excelência numa universidade de renome", disse.

"Vossa Excelência está se revelando na verdade muito sensível", desconversou Mendes.

Lewandowski fez ainda outras advertências ligadas diretamente ao mensalão. O revisor disse que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, localizada em San Jose, na Costa Rica, decidiu que o réu que não tem direito a foro privilegiado e é condenado por uma Corte sem direito a recorrer a outra pode contestar essa condenação. Essa advertência é positiva para os réus condenados no mensalão, já que alguns deles declararam a intenção de recorrer a cortes internacionais.

"Eu entendo sim que, na medida em que nós atrairmos artificiosamente a competência de réus que têm direito a ser julgados na 1ª instância para essa Corte, nós estamos sim ofendendo o princípio constitucional do juiz natural e o duplo grau de jurisdição", disse Lewandowski. "No Pacto de San Jose se diz que toda a pessoa tem o direito ao duplo grau de jurisdição [recorrer a outra Corte]. O que existe é uma decisão da Corte Interamericana que estabelece que, quando o réu é julgado pela Suprema Corte de um país em função de ter direito a foro por prerrogativa de função, aí não cabe a invocação do pacto", completou.

O debate tenso foi contornado pelo presidente da Corte, ministro Carlos Ayres Britto. Ao fim, o STF decidiu por quatro votos a três que o processo envolvendo Garotinho não deveria ser desmembrado. Prevaleceram os votos da relatora, Rosa Weber, da ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, de Mendes e Britto. Ficaram vencidos Lewandowski, Dias Toffoli e Marco Aurélio Mello.