Título: Fontes de recursos para obras estão no limite
Autor: Pires, Luciano; Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 25/11/2010, Economia, p. 17

O próximo governo vai precisar estimular novas formas de financiamento para empreendimentos de maior fôlego, pois o BNDES está perto do esgotamento. Medidas devem incentivar os bancos privados a entrar nesse segmento

Se quiser tirar do papel os grandes projetos de infraestrutura já previstos ou em gestação pelo governo, a presidente eleita, Dilma Rousseff, terá de estimular o financiamento privado de longo prazo. A crescente demanda por recursos vem pressionando de tal forma os canais tradicionais e as fontes públicas que o ambiente de crédito oficial beira a saturação. A perspectiva de escassez de verbas para custear novas obras chega a ser encarada como um gargalo tão grave quanto os prejuízos causados pela falta de estradas e pela precariedade de portos e aeroportos.

Fundamentais para o crescimento do país, os empreendimentos de vulto embutem alto risco, a rentabilidade quase sempre é variável e o retorno tarda a chegar. O histórico brasileiro de insegurança jurídica e de ausência de marcos regulatórios transformou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no primeiro e praticamente único fiador. Com a expansão econômica verificada nos últimos anos, esse ¿porto seguro¿ passou a operar no limite. O governo está elaborando um minipacote de medidas para estimular os bancos privados a financiar obras de longo prazo.

A Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) lembra que, apesar da entrada de bancos como a Caixa Econômica Federal, dos fundos de investimento e de pensão, de instituições multilaterais como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, além do mercado de capitais, fundos de investimento em participação e debêntures, o crédito de longo prazo para obras de infraestrutura ainda é ofertado majoritariamente pelo BNDES. ¿Ele é fundamental. Mas, por estar próximo do limite de operação, é preciso criar alternativas¿, diz Paulo Godoy, presidente da entidade.

Em 2009, o banco estatal de fomento desembolsou algo como 55% de tudo o que a infraestrutura demandou de crédito, contra 20% em 2003. ¿É fundamental diversificar as fontes de recursos, principalmente no mercado privado, para que não haja descontinuidade no crescimento de investimentos na infraestrutura¿, justifica Godoy. Neste ano, até outubro, o BNDES desembolsou R$ 41,5 bilhões de um universo total em carteira para investimentos da ordem de R$ 145 bilhões. Até 2014, a previsão da Abdib é que as aplicações em obras vão atingir um patamar de R$ 160 bilhões ao ano, se o ritmo registrado nos últimos oito anos se mantiver.

A pressão de setores por recursos públicos obrigou o governo a reforçar o caixa do BNDES, que nos últimos dois anos recebeu aportes diretos de R$ 180 bilhões, além de outros R$ 30 bilhões para participar da capitalização da Petrobras. O efeito colateral foi a concentração de vencimentos da dívida pública de curto prazo. Alberto Kiraly, vice-presidente da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), reforça que o BNDES não conseguirá suprir toda a necessidade de dinheiro. ¿Não é só pelos eventos esportivos que o país vai ter que atender, mas também para investir em infraestrutura e compensar um atraso de décadas sem investimento. Não adianta achar que só o BNDES vai dar conta de tudo. Estamos no início dessas obras e ele já está no limite¿, completa.

A solução para o financiamento das obras que exigem tempo de maturação e altas aplicações, como o trem-bala e a usina de Belo Monte, depende da disposição do governo em fortalecer uma tríade de fontes de crédito: o próprio BNDES, o mercado de capitais e os bancos privados. ¿Todos têm o seu papel. É natural que a disponibilidade de linhas no BNDES seja mais constante. O mercado de capitais já deu mostras de que tem capacidade de levantar grandes somas de recursos, mas o apetite dos investidores diminui em momentos de crise. É um `mix¿ deles com os bancos comerciais que direcionará as aplicações¿, adverte Kiraly.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) acredita que o desafio de Dilma será criar estímulos para a participação do setor privado (seja via mercado de capitais ou bancos). A disposição das instituições, segundo o economista-chefe da entidade, Rubens Sardenberg, será proporcional às condições oferecidas. ¿Se a segurança jurídica for razoável e o retorno, atrativo, não há razão para os bancos não estarem dispostos¿, explica. Entre as medidas que podem ser anunciadas na semana que vem, estão a isenção de Imposto de Renda nos títulos públicos com prazo acima de 10 anos e a exclusão do depósito compulsório para aplicações nos bancos com esse período de resgate.