Título: "O PSDB tem que exercer a oposição", diz Gustavo Fruet
Autor: Ulhôa, Raquel e Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 22/01/2007, Política, p. A5

Quando ficou noivo, em dezembro do ano passado, o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR) prometeu à moça que se casaria quando fosse presidente da Câmara dos Deputados. Era uma brincadeira, afinal, naquela época ele ainda nem sonhava em ser candidato à presidência da Câmara, fato que se tornou realidade na terça-feira da semana passada.

Julgando-se o único candidato capaz de restaurar a imagem da Câmara, Fruet diz, nesta entrevista ao Valor, que a vitória de Arlindo Chinaglia (PT-SP) significaria a legitimação das práticas irregulares que desgastaram o Legislativo nos últimos anos. Facilitaria, ainda, a aprovação da anistia do ex-ministro José Dirceu. "Seria jogar gasolina para reacender a fogueira (da crise política que atingiu o governo Lula em 2005)", afirma.

Para o tucano, já Aldo Rebelo (PCdoB-SP), candidato à reeleição, está pagando o preço da lealdade ao presidente Lula. Na sua opinião, ele não enfrentou a exposição negativa do Congresso, permitindo o enfraquecimento do Poder Legislativo.

Fruet nega que sua candidatura seja de oposição. Prefere dizer que é suprapartidária e institucional. Rejeita a possibilidade de PSDB e PT transformarem o processo da Câmara em um terceiro turno da eleição presidencial. Diz que, como presidente da Câmara, sua relação com o governo e com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva será de respeito.

O Valor solicitou entrevista aos três candidatos à presidência da Câmara. Apenas Fruet atendeu ao pedido.

Valor: Surpreendeu a reação à sua candidatura?

Gustavo Fruet: Enormemente. Foi uma revolução. A sucessão de fatos foi surpreendente. Primeiro, a receptividade dentro da Câmara. Segundo, foi impressionante a reação positiva dentro do PSDB. De repente, passou a ser um fator de unidade. O melhor estrategista talvez não fosse capaz de imaginar um cenário desse para o partido.

Valor: O que essa jogada do PSDB representa para a disputa na Câmara?

Fruet: O cargo de presidente da Câmara tem uma simbologia política da maior importância. No momento em que o PSDB apóia um candidato do PT, líder do governo, passa uma imagem de que não há mais diferenciação. Uma sensação de que ao PSDB não caberá mais o papel de oposição e que o PT procura se aliar com todos os partidos, inclusive os tradicionais adversários. O PSDB tem que exercer oposição. Isso é bom para a democracia. Não é para desestabilizar o governo.

Valor: Por que o senhor criticou o governo por adiar o anúncio do ministério?

Fruet: Pela primeira vez, na História recente do Brasil, o governo só vai anunciar o novo ministério depois da eleição da Mesa da Câmara. Isso não é por acaso. A impressão que passa é que o resultado vai servir para compensar aliados derrotados ou premiar aliados vencedores. E a candidatura do PT é que vai representar esse custo.

Valor: O senhor teme que Chinaglia, se eleito, anistie José Dirceu?

Fruet: Ele já deu declarações de que é favorável ao procedimento. Isso tem um risco: colocar gasolina para reacender essa fogueira. Sou contra a anistia. Entendo que isso é desautorizar o Legislativo e, politicamente, realimentar um episódio que gerou uma crise brutal. É evidente que, se houver um projeto de iniciativa popular, que cumpra as exigências regimentais, seria arbitrário evitar a tramitação. Mas a minha posição de conteúdo e de mérito é contrária. É um erro.

Valor: Por quê?

Fruet: Não se trata de anistia. Trata-se de uma tentativa de perdão de suspensão. Anistia é tentar forçar o esquecimento do conflito político. O Brasil quer o esquecimento dos episódios que resultaram nas CPIs dos Correios, do Mensalão e dos Sanguessugas? Qual o sentido de todo o desgaste que sofremos?

Valor: A candidatura Chinaglia representa esse risco?

Fruet: O que está em jogo é o seguinte: a Câmara está disposta a expiar, purgar, erros e pecados para ter acesso ao perdão e reencontrar a opinião pública, mesmo que isso tenha um custo, como não aumentar o salário dos deputados em 90%? Ou a Câmara está disposta a legitimar e apoiar pessoas que estavam à frente de grupos que foram duramente investigados e permitiram que a Casa fosse desgastada tão profundamente nesse período? São essas as questões.

Valor: O senhor acha que Aldo também representa o grupo envolvido nos escândalos?

Fruet: O presidente Aldo pagou o preço pela lealdade. A CPI das Sanguessugas só investigou deputado. Por que não se investigou o governo? A quem interessa um Congresso enfraquecido? Por que no momento em que a Câmara começa a discutir o salário mínimo e a correção da tabela do Imposto de Renda, a Mesa não tem uma firmeza do presidente e discute os 90% do salário dos deputados? O Aldo tem uma das biografias mais limpas e decentes da política brasileira, mas nunca a Câmara esteve tão exposta negativamente quanto no período Aldo.

Valor: Não seria também gasolina na fogueira um presidente da Câmara vindo de um partido de oposição?

Fruet: Não. Esse debate é sinal da fraqueza das instituições brasileiras. Recentemente, a deputada democrata Nancy Pelosi assumiu a Câmara dos Deputados dos Estados Unidos e ninguém questionou a possibilidade de fragilidade na relação dela com o presidente George Bush. Ninguém espera movimentos da Câmara para desestabilizar o governo Bush. Nosso cuidado é mostrar que não represento uma candidatura da oposição. Se a disputa for situação contra oposição, perdeu a Câmara. Vai ser crise permanente. Agora, se a gente tiver a possibilidade de construir uma relação institucional, é diferente. Minha posição é: respeito ao governo e respeito ao presidente Lula. Mas isso tem que significar independência e autonomia do Congresso Nacional.

Valor: A eleição da Mesa pode, na sua visão, reverter a péssima imagem que os senhores têm junto à sociedade?

Fruet: Estamos expostos. Ninguém vai recuperar a Câmara no discurso. Se continuarmos do mesmo jeito, não adianta, também não terei motivação para continuar na vida política. Continuar deputado para sair à rua e ter que justificar porque foi dado aumento de 90% ou ficar num mandato aqui para julgar deputado? Isso é doença do sistema.

Valor: Que força o senhor tem para evitar que setores do seu partido, principalmente os derrotados, vislumbrem a sua eleição como a possibilidade de um terceiro turno da eleição presidencial?

Fruet: Não é terceiro turno. É um erro imaginar que um partido de oposição possa provocar isso. O presidente Lula ganhou a eleição por uma diferença considerável. Ele vem com uma força muito maior do que as instituições. Sei que não é da natureza do presidente Lula e nem acredito nisso, mas pode chegar a um ponto em que o presidente Lula chegará à televisão e dirá: "Esse Congresso não dá mais. Quero fazer um plebiscito para fechar o Congresso". Se o Congresso continuar desse jeito, fecha o Congresso. Não entendam isso como ironia. O desgaste está tão grande que, se o presidente chegar a um ponto desse, atropela o Congresso.

Valor: O senhor compartilha o temor do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, segundo o qual, a vitória do PT na Câmara abriria brecha para Lula ter direito a uma nova reeleição?

Fruet: É claro que vai haver a possibilidade de avaliar no aspecto constitucional se é possível mudar isso. Se o Congresso estiver mal e o presidente estiver muito bem daqui a quatro anos, como duvidar de que, a partir de uma emenda constitucional, um projeto de iniciativa popular ou um pedido de mobilização da sociedade, se vote um projeto pela prorrogação do mandato? Embora ache que não é da natureza democrática do Brasil, pois é uma forma democrática de falar em ditadura.