Título: EUA fracassam em recuperar e abrir a economia do Iraque
Autor: Uchoa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 22/01/2007, Internacional, p. A8

Quando os EUA lideraram a invasão do Iraque em 2003, os falcões em Washington previam que, em 2007, o país estaria produzindo 6 milhões de barris de petróleo por dia. A essa altura dos acontecimentos, os iraquianos já teriam superado o trauma de uma invasão e a riqueza do petróleo abundante ajudaria a estabilizar um governo simpático aos EUA. O "vício em petróleo" dos americanos - o termo não havia ainda sido formulado por George W. Bush - poderia se sustentar mais um pouco.

Esse cenário róseo não poderia estar mais longe da realidade: o país vive um círculo vicioso em que a violência impede o desenvolvimento da economia e a falta de perspectivas econômicas alimenta a violência sectária.

Os americanos vêm se mostrando incapazes de quebrar esse círculo. "Não deu nada certo. E mesmo nós que apoiamos o esforço de guerra não estamos convencidos de que estamos no caminho certo", afirma Max Boot, pesquisador sênior sobre assuntos de Segurança Nacional do Council on Foreign Relations, de Washington.

O PIB do país, que retrocedeu 30% em 2003, após anos de estagnação, não se recuperou ainda aos níveis pré-invasão. O Iraque tem reservas de petróleo comprovadas de 115 bilhões de barris - na Opep, o cartel internacional de petróleo, suas reservas só não são maiores do que as de Arábia Saudita (264 bilhões) e Irã (136 bilhões).

Mas a produção de petróleo está até mesmo abaixo do período pré-guerra. Segundo uma estimativa conservadora dos EUA, a produção iraquiana foi de 2,5 milhões de barris/dia em 2000. Hoje, está estacionada em pouco mais de 2 milhões de barris/dia.

Os estrategistas americanos contavam com um aumento para 6 milhões de barris/dia, segundo Bob Tillisch, diretor do programa de petróleo do sul do Iraque. Ele é otimista e diz que, com a ajuda de engenheiros do Exército dos EUA, a produção pode ir a 3 milhões de barris/dia no final deste ano.

O otimismo não é compartilhado por Amir Hassan, economista da Universidade do Cairo: "Os ataques à infra-estrutura causaram ruptura na produção, é verdade, mas os principais efeitos da violência sobre a indústria do petróleo são afastar os investimentos e encarecer toda a cadeia produtiva".

"Diz-se de brincadeira que há uma 'cláusula extra' em todos os contratos feitos por empresas estrangeiras atuando no Iraque: 30% a mais, para pagar as empresas que fazem a segurança de trabalhadores, engenheiros e consultores. E isso fora os custos normais de seguro", afirma Hassan.

Ontem, o ministro do Petróleo do Iraque, Hussain al-Shahristani, disse que 289 pessoas foram mortas em ataques a instalações petrolíferas no ano passado. Ele espera, porém, que a nova lei do setor, que facilita o investimento, atraia empresas e ajude a elevar a produção a 5 milhões de barris/dia até 2010.

Mesmo que a produção suba em 2007, há o problema de que o setor de petróleo não se caracteriza pelo uso intensivo de mão-de-obra. E o desemprego, segundo o Banco Mundial, chega no Iraque a 30% - atingindo 50% quando se leva em conta o subemprego. Do total da população economicamente ativa, o governo emprega cerca de 35%, entre funcionários da administração pública e de estatais.

Aí se encontra outro fracasso dos americanos, segundo Hassan: "Logo após a ocupação, o governador militar nomeado pelos EUA, Paul Bremer [chefe do governo provisório era o título oficial], instituiu diretrizes para privatizar todas as estatais do país. Os americanos esperavam transformar toda a economia do Iraque numa tacada só. Não saiu do papel até hoje".

Nesse ponto Washington já admitiu que não consegue avançar. Por isso, propõe retroceder: na semana passada, o subsecretário americano de Defesa para a Transformação Econômica, Paul Brinkley, anunciou que os EUA pretendem financiar o reinício das operações de ao menos dez fábricas estatais iraquianas. Para Brinkley, o objetivo é empregar ao menos 11 mil pessoas, dando a "possíveis membros da insurgência" motivos econômicos para não lutar.

Depois de fracassar na revitalização do setor de petróleo e na tentativa de abrir a economia do Iraque, os EUA terão pela frente um problema ainda maior, que é o de evitar o esfacelamento do país à medida que uma região se desenvolva mais do que outra e, depois, se recuse a fazer sacrifícios em favor da economia nacional.

O caso mais claro desse perigo é o Curdistão iraquiano, no norte do país, que faz fronteira com o Irã e a Turquia. Os curdos, que são muçulmanos mas pouco ou nada se identificam com os árabes sunitas ou xiitas, conseguiram acordar alguma estabilidade política entre seus próprios grupos rivais. Segundo estimativa da Universidade do Cairo, o crescimento do PIB da região curda é três ou quatro vezes maior do que a média do país.

"Se isso continuar assim no longo prazo, vai ser muito difícil fazer com que os políticos curdo-iraquianos se acomodem na frágil união que mantém o Iraque de hoje", analisa o economista Hassan.