Título: Inflação e crescimento no longo prazo
Autor: Oreiro, José Luis e Padilha, Rodrigo A.
Fonte: Valor Econômico, 22/01/2007, Opinião, p. A10

Na medida em que o Brasil caminha para uma taxa de inflação de longo prazo de 4% ao ano, reabre-se o debate a respeito de qual seria a taxa ótima de inflação a ser perseguida pelo Banco Central do Brasil no longo prazo. Nesse contexto, deve-se observar que o valor atual da meta de inflação no Brasil (4,5%) já é superior às expectativas de inflação deste e do próximo ano, e alguns analistas propõem que a meta deveria ser reduzida, seja porque há espaço para a queda ou dado que ela é superior às metas vigentes nos países desenvolvidos. Discutimos neste artigo se a meta atual é ou não apropriada para o Brasil.

Os problemas causados pela inflação são claros quando a taxa de inflação é alta (superior a dois dígitos, por exemplo), pois recursos escassos da economia são alocados de forma ineficiente para o mercado financeiro, ocorre uma variação excessiva nos preços relativos, impõe-se um imposto inflacionário que recai majoritariamente sobre os mais pobres e, normalmente, inicia-se um processo cumulativo que pode levar à hiperinflação. No entanto, os custos da inflação não são tão claros quando a inflação é baixa, ou seja, para uma taxa de inflação de um digito por ano. Com efeito, os estudos empíricos sobre os efeitos da inflação sobre o bem-estar não são conclusivos e, em alguns casos, apontam para a existência de uma relação positiva entre inflação e crescimento no longo prazo.

Os potenciais benefícios de uma inflação baixa incluem a facilitação dos ajustamentos no mercado de trabalho, pois, na medida em que os salários nominais são rígidos para baixo, a inflação permite que uma redução no salário real seja empreendida sem que haja cortes no nível de emprego. Alguma inflação também é importante para manter a economia distante de um problema ainda maior, a deflação, cujos efeitos nocivos sobre o sistema econômico foram mais do que comprovados pela Grande Depressão de 1929. No entanto, a inflação baixa também tem seus custos, tais como a distorção nos impostos fixados nominalmente (como o imposto de renda), pois a carga tributária sobe mesmo quando os contribuintes não auferem aumentos reais nos seus rendimentos; possibilidade da criação de alguns mecanismos de indexação, aumentado os efeitos da inércia inflacionária etc.

O balanço entre custos e benefícios não é fácil de ser resolvido empiricamente. Uma forma de analisar o problema é determinar a relação entre a inflação e o crescimento no longo prazo. O efeito negativo da inflação aparece normalmente nos estudos empíricos que postulam uma relação linear entre as variáveis, mas a magnitude do efeito é pequena, incompatível com as experiências de alta inflação e desempenho econômico medíocre.

Sarel (1996) investigou a existência de uma relação não-linear entre as duas variáveis, e os resultados apontam um efeito positivo (mas insignificante em geral) para valores inferiores a uma taxa de 8% ao ano, e fortemente negativo a partir deste valor. No entanto, o estudo de Sarel só contém dados até 1990, sendo provável que a relação tenha mudado em virtude da maior ênfase no combate à inflação. Há de fato uma redução perceptível nas taxas médias de inflação mundial a partir dos anos 90.

-------------------------------------------------------------------------------- Nos países desenvolvidos, inflação abaixo de 2,1% prejudica o crescimento; nos emergentes, quando o índice é menor que 5,1% --------------------------------------------------------------------------------

A metodologia de Sarel foi replicada pelos autores do presente artigo para 55 países com dados até 2004, com o intuito de reavaliar a relação entre inflação e crescimento e discutir as suas diferenças entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Os resultados apontam para uma queda da taxa de inflação a partir da qual o crescimento é prejudicado: dos 8% obtidos no estudo de Sarel o valor reduz-se a apenas 2,5% para o conjunto dos países. Este valor está de acordo com a inflação média nos países desenvolvidos e poderia indicar que uma meta de inflação como a nossa de 4,5% é contraproducente para o crescimento. No entanto, ao considerarmos apenas os países em desenvolvimento, a taxa de quebra na relação eleva-se para 5,1%, contrariando a premissa anterior, ao passo que se considerássemos apenas os países desenvolvidos o valor cairia para apenas 2,1%. Os resultados são estatisticamente significativos e apontam uma diferença de cerca de três pontos percentuais entre a inflação "ótima" para países desenvolvidos e em desenvolvimento.

A diferença na meta ótima de inflação entre países desenvolvidos e em desenvolvimento pode ser resultado de uma série de fatores históricos, mas um argumento teórico de comércio internacional é normalmente utilizado para explicá-la. Trata-se de uma conseqüência do efeito Balassa-Samuelson. O efeito deriva-se da diferença de produtividade entre os setores de bens comercializáveis e não-comercializáveis. Dado que os setores dos bens comercializáveis são expostos à concorrência externa, a sua produtividade é normalmente mais elevada e os salários reais mais altos, mas como a determinação dos preços no setor de comercializáveis é externa, os preços neste setor sobem menos do que nos setores de bens não-comercializáveis. No entanto, os salários são determinados internamente devido à pequena mobilidade da mão-de-obra, fazendo com que a concorrência entre os setores promova uma equalização dos salários, inflando os preços dos bens não-comercializáveis devido à sua menor produtividade. A conseqüência deste efeito sobre a inflação é que a convergência de renda dos países em desenvolvimento, em direção aos desenvolvidos, tenderá a elevar o preço relativo dos bens não-comercializáveis dentro dos países, pressionando os indicadores de inflação.

A conclusão a que chegamos é que a meta para taxa de inflação brasileira não precisa ser mudada nos próximos anos, pois ela se encontra em um patamar que não traz prejuízos evidentes ao crescimento econômico. As atenções devem ser voltadas a outros assuntos de urgência que impedem o crescimento da economia brasileira.

José Luis Oreiro é professor do Departamento de Economia da UFPR. E-mail: joreiro@ufpr.br.

Rodrigo Ayres Padilha é mestrando em Desenvolvimento Econômico pela UFPR e professor das Faculdades Santa Cruz de Curitiba. E-mail: rod_padilha@yahoo.com.br.