Título: Lula anuncia hoje pacote menor que o previsto
Autor: Rittner, Daniel e Galvão, Arnaldo
Fonte: Valor Econômico, 22/01/2007, Especial, p. A12

Desenhado nos últimos três meses com a pretensão de "destravar" a economia do país, lema que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva adotou após sua reeleição, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) - cuja divulgação está prevista para hoje, às 10 horas, em cerimônia no Palácio do Planalto - nasce mais tímido e acanhado do que nos seus primeiros rascunhos. Dos R$ 12 bilhões previstos em suas versões preliminares, a desoneração tributária ficará em cerca de R$ 6 bilhões, distribuídos em dois anos - o equivalente a 0,3% do PIB, face a uma carga tributária que beira os 38% do PIB.

Também na área fiscal, a equipe econômica não conseguiu convencer o presidente a adotar medidas duras de cortes e contenção dos gastos públicos, consideradas necessárias pelos economistas para abrir espaço à redução da carga tributária e ao impulso dos investimentos públicos. Em direção oposta, Lula determinou o reajuste do salário mínimo para R$ 380, valor maior que o defendido pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, e aumentou os gastos no âmbito do Projeto Piloto de Investimentos (PPI) de 0,2% para 0,5% do PIB. E rejeitou proposta de uma nova reforma da previdência e a contenção dos gastos da saúde.

Na área de controle de gastos, apenas duas medidas sairão no âmbito do PAC, ambas necessitando de aprovação pelo Congresso - a limitação da correção anual dos salários do funcionalismo à variação do IPCA, mais 1,5%; e a indexação do salário mínimo ao INPC, mais a variação do PIB real de dois anos anteriores ao do reajuste.

Por causa do interesse do governo em ampliar os investimentos públicos, pela primeira vez, desde o primeiro ano da gestão Lula, o superávit primário das contas públicas poderá ficar abaixo de 4,25% do PIB em 2007. A redução pode ocorrer porque, na prática, a ampliação do PPI faz meta cair dos oficiais 4,25% do PIB para 3,75% - número que, conforme assegura o governo, ainda permite reduzir gradualmente a relação entre dívida pública e PIB - uma fonte da Fazenda acredita que, apesar da autorização para gastar até 0,5% do PIB com PPI, o governo deverá despender neste ano 0,35% do PIB, diminuindo o superávit primário para 3,90% do PIB.

São justamente os recursos dentro do PPI, praticamente livres de contingenciamento e fora da aferição do cumprimento da meta de superávit primário, que deverão impulsionar os investimentos em infra-estrutura. Convencido de que o país precisa enfrentar os gargalos logísticos e pressionado a tomar medidas para afastar o fantasma de um novo apagão, Lula vai anunciar um mecanismo diferenciado de gestão de projetos de médio e grande porte: cerca de 50 obras terão sinal verde para obter recursos, mantendo-se livres de contingenciamento, com acompanhamento direto da Casa Civil.

A intenção é pôr data de começo e fim em empreendimentos como as usinas hidrelétricas do rio Madeira e a transposição das águas do São Francisco. Na área de transportes, será dada atenção especial às ferrovias e melhorias da malha rodoviária, com o avanço de projetos como o Arco Rodoviário do Rio de Janeiro, que facilitará a ligação com as zonas portuárias do Estado. O governo quer ainda diminuir o espaço para interrupções e atrasos no processo de licenciamento ambiental de grandes projetos.

Para isso, Lula instruiu a Casa Civil a mandar para o Congresso um projeto de regulamentação da área ambiental do artigo 23 da Constituição, que lida com as competências e atribuições dos três entes federativos - União, Estados e municípios. O Ibama e órgãos estaduais de meio ambiente deverão concentrar-se no licenciamento de empreendimentos maiores. A expectativa é que a atuação do Ministério Público e a concessão de liminares judiciais tenham menos influência no andamento das obras.

Batizado pelo marqueteiro João Santana para cunhar uma nova etapa do governo Lula, o PAC ganhou um nome antes mesmo de ter suas medidas fechadas. Foram quase três meses de discussões. Na penúltima semana de dezembro, o presidente adiou o anúncio do pacote para aperfeiçoar algumas medidas. De lá para cá, a equipe econômica consolidou pelo menos mais uma derrota, como a recusa de Lula em debater qualquer tipo de reforma da Previdência agora.

No fim da tarde de ontem, Lula reuniu, no Palácio da Alvorada, oito ministros, com o objetivo de fazer os últimos ajustes no PAC. Além deles, Lula convidou o ex-ministro Ciro Gomes, deputado eleito pelo PSB do Ceará. Foi uma tentativa de acalmar o aliado, que vem criticando o governo desde que o Palácio do Planalto decidiu entrar de forma pesada na campanha do petista Arlindo Chinaglia à presidência da Câmara dos Deputados.

Ciro e seu partido apóiam a reeleição de Aldo Rebelo. Ontem, ao sair do Alvorada, ele reafirmou o apoio e lançou dúvidas sobre o caráter ético da coalizão que o governo quer formar. "O governo de coalizão que estamos montando é bastante heterogêneo, de qualquer ângulo que se queira considerar, ideológico e até ético", disse. "Se sobre essa coalizão não se construir uma hegemonia moral e intelectual clara, o risco é o de que ela não se cimente ou se cimente por linguagens intoleráveis, como aquelas que hipertrofiam as imposições fisiológicas que são infelizmente a tradição política brasileira", advertiu.

Mesmo tendo abandonado a ambição de fazer a economia crescer a 5% ao ano - para chegar a tanto, os economistas dizem que seria necessário ampliar de 20% para 25% do PIB a taxa anual de investimento da economia -, Lula encara o PAC como o marco político do início do seu segundo mandato. Às 9 horas de hoje, ele apresentará as medidas ao Conselho Político, que reúne os presidentes dos partidos que apóiam o governo, e 20 minutos depois ele fará o mesmo para os governadores.

"O grande esforço é não só acelerar o crescimento do PIB, mas também as obras de infra-estrutura", disse a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, ao chegar para a reunião no Alvorada, que começou por volta das 18 horas. "As medidas são sólidas e vão acelerar o crescimento econômico do país. Elas foram bem talhadas e amadurecidas", disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Além de Ciro, Dilma e Mantega, participaram da reunião com Lula os ministros Tarso Genro (Articulação Política), Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento), Márcio Fortes (Cidades), Pedro Brito (Integração Nacional), Paulo Sérgio Passos (Transportes) e Silas Rondeau (Minas e Energia).