Título: Revisor muda votos e absolve por quadrilha
Autor: Basile, Juliano; Magro, Maíra; Junqueira, Caio
Fonte: Valor Econômico, 19/10/2012, Política, p. A12

O julgamento do item final do processo do mensalão teve início, ontem, com uma ampla divergência entre o relator, ministro Joaquim Barbosa, e o revisor, ministro Ricardo Lewandowski. Enquanto o primeiro condenou o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e mais dez réus, o segundo absolveu-os totalmente e ainda reviu votos dados anteriormente para livrar de punição pelo crime de formação quadrilha mais cinco réus.

Após apontar a liderança do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu na chamada "quadrilha do mensalão", Joaquim Barbosa condenou o ex-presidente do PT José Genoino e o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares. O primeiro, segundo ele, era "interlocutor político do núcleo criminoso". "Cabia-lhe fazer propostas de acordos aos partidos", disse. O segundo "tinha a tarefa de indicar ao núcleo publicitário os valores e os beneficiários dos recursos".

Em seguida, Barbosa apontou a participação, na quadrilha, do publicitário Marcos Valério, de seu advogado Rogério Tolentino, seus sócios Cristiano Paz e Ramon Hollerbach e a ex-diretora financeira Simone Vasconcelos. "A partir de sua aproximação com Dirceu e Delúbio, Valério passou a atuar como uma espécie de interlocutor privilegiado dos envolvidos para levantar recursos", afirmou.

Por fim, o relator fechou as condenações com os réus integrantes do Banco Rural. Segundo ele, a ex-presidente da instituição financeira, Katia Rabello, seu vice-presidente Vinícius Samarane e o ex-dirigente José Roberto Salgado atuaram "em busca de vantagens indevidas no governo, estabeleceram mecanismos de pagamentos em espécie a indicados por Valério para burlar a legislação e dificultar a identificação dos beneficiários por intermédio dos supostos empréstimos". "Assim", continuou Barbosa, "eles injetaram cifras milionárias para as contas da quadrilha".

O relator absolveu apenas a ex-gerente financeira da agência de publicidade SMP&B, Geiza Dias, e a ex-dirigente do Banco Rural Ayanna Tenório. Para ele, 11 réus "associaram-se de maneira estável, organizada e com divisão de tarefas para praticar crimes". "Isso parte da análise de todas as provas", disse. "A conduta dos réus está individualizada dentro do papel que cada um tinha na quadrilha. Todos foram essenciais para a satisfação dos objetivos ilícitos da organização criminosa", concluiu.

Já o revisor Ricardo Lewandowski entendeu que não houve a formação de quadrilha. "Não é a prática de dois, três, quatro, cinco crimes que vai caracterizar o bando ou quadrilha", argumentou o ministro. "É preciso que haja uma junção permanente com acordo de vontades", completou. Conforme o entendimento de Lewandowski, quadrilha não se confunde com os demais crimes, como corrupção ou organização criminosa, e só pode ser caracterizada caso se constate que houve ameaça à paz pública. "É preciso verificar se a conduta dos réus teve exatamente esse escopo da prática de uma série de crimes indeterminados, incontáveis, se é uma conjunção de pessoas, se essa associação ameaçava a paz pública", afirmou. "A quadrilha, como crime autônomo, não se confunde com os demais crimes que por ela se praticam."

O revisor fez críticas ao uso da expressão "quadrilha do mensalão" pela imprensa e à repetição desse termo pelo Ministério Público Federal. "A alegação de quadrilha utilizada pelos meios de comunicação não pode se impor aos membros dessa Suprema Corte", defendeu. Quanto ao MP, ele contou que houve o uso do termo 96 vezes na denúncia e nas alegações finais, além de outras 55 menções à organização criminosa - tipo penal ainda inexistente no ordenamento jurídico brasileiro. "O valoroso MP não conseguiu decidir com clareza se estava imputando aos réus o delito de quadrilha ou de organização criminosa. São figuras penais totalmente distintas."

Como o revisor já havia condenado cinco réus pelo crime de formação de quadrilha em outro item do julgamento, ele voltou atrás e alterou esses votos. A revisão de Lewandowski causou uma inversão de placares. O deputado Valdemar Costa Neto (PR-SP), que havia sido condenado por seis votos a quatro por quadrilha, ficou, agora, num empate de cinco votos a cinco. O mesmo aconteceu com Jacinto Lamas, ex-tesoureiro do PL (atual PR). Ele estava condenado por formar quadrilha e, com a mudança no voto, o placar ficou em cinco votos a cinco.

Como o Supremo ainda não definiu a forma de desempate, a situação de Costa Neto e de Lamas ficou indefinida. Ambos já foram condenados por lavagem de dinheiro e por corrupção passiva, mas agora estão em empate quanto ao crime de formação de quadrilha.

Além dos empates, a revisão dos votos anteriores de Lewandowski permite que mais três réus possam ingressar com um recurso após a proclamação do resultado final pelo STF. O revisor mudou seus votos pela condenação por formação de quadrilha para absolvição em relação ao ex-deputado federal Pedro Corrêa (PP-PE), ao ex-assessor parlamentar João Cláudio Genu e ao ex-sócio da corretora Bônus Banval Enivaldo Quadrado. Os três estavam condenados por sete votos a três. Agora, continuam condenados, mas por seis votos a quatro. Esses quatro votos permitem que esses réus entrem com embargos infringentes no STF - recurso utilizado quando há forte divergência entre os votos, com o mínimo de quatro pela absolvição.

Lewandowski justificou as mudanças alegando que ouviu atentamente o voto em que Rosa Weber absolveu os deputados que receberam dinheiro da acusação de formação de quadrilha. Na ocasião, a ministra concluiu que houve coautoria de crimes, e não quadrilha. "Impressionei-me vivamente com o voto da ministra Rosa", admitiu o revisor.

Rosa votou por absolver os acusados de quadrilha que receberam dinheiro do esquema, o que não significa que fará o mesmo com relação àqueles que teriam organizado o esquema de repasses do dinheiro. O voto dela e de mais sete ministros no item final do processo do mensalão só será conhecido na segunda-feira, a partir das 14h, quando o julgamento será retomado.

Ao fim da sessão, o presidente da Corte, Carlos Ayres Britto, e o decano, ministro Celso de Mello, lembraram Ruy Barbosa, que, ao definir as tarefas da Corte, teria dito: "O Supremo tem o direito de errar por último".