Título: Mapa da indústria de carros muda com rapidez
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Fonte: Valor Econômico, 02/03/2007, Opinião, p. A12

Mudanças de rota na indústria automobilística tornaram difícil a vida dos maiores fabricantes de carros ao redor do mundo. A onipotência das montadoras americanas é coisa do passado e cedeu lugar à quase bancarrota das "Big Three" de Detroit. A GM está atolada em prejuízos, a Ford não está muito melhor e a Daimler resolveu se livrar da Chrysler após uma sucessão de prejuízos crescentes da sócia americana. Se no maior mercado de massas as coisas não vão bem, elas começam a piorar na terra da tecnologia de ponta automotiva, a Alemanha, com a iminência de restrição severa no nível de emissões e a tendência em direção a carros mais econômicos. BMW, Mercedes e Porsche não se preocuparam muito com isso e, ao contrário dos japoneses, estão atrasados na pesquisa de adaptação ao uso de combustíveis alternativos.

Em um ambiente altamente competitivo, onde há impasses há oportunidades. Praticamente inexistente há uma década, a indústria chinesa já é tida como possível compradora da Chrysler, embora suas chances de fato sejam remotas. As aquisições feitas por empresas chinesas no exterior seguem um padrão que se encaixa no da Chrysler - a obtenção de tecnologia, marca e distribuição em mercados desenvolvidos, como ocorreu com a Lenovo ao arrematar a divisão de PCs da IBM. De qualquer forma, a chinesa Chery já tem joint venture com a Chrysler para exportar modelos baratos para a América do Norte e Europa, uma opção aos modelos caros e de alto consumo dos utilitários nos quais se concentra a Chrysler.

A Chrysler é hoje a única gigante entre as montadoras à venda e encerra com um fracasso a esperançosa união transcontinental com a Daimler Benz. A fusão "cultural" das duas empresas foi tumultuada e nunca chegou a se realizar plenamente, e a debacle da Chrysler tem tanto a ver com a perda de mercado nos EUA como com a relutância da Mercedes em encontrar caminhos fora do mercado de luxo, uma atitude comum entre as montadoras alemãs, exceto a Volks.

A disparada do petróleo e a ameaça ecológica podem ter tornado a maré favorável a montadoras flexíveis o suficiente para disputarem ao mesmo tempo em todos os segmentos do mercado, como a Toyota, ou para aquelas que têm experiência nos ramos populares e de médio preço do mercado, como a Volks, a Fiat e a Renault. Há não muito tempo, essas montadoras pareciam estar condenadas a perder a corrida da competitividade.

A Fiat teve lucro recorde em 2006, não muito tempo depois de se desvencilhar de uma aliança acionária mal-sucedida com a GM. A Toyota e os japoneses, que abocanharam 42% do mercado americano, fizeram uma revolução silenciosa nos custos e voltaram a se tornar os grandes players mundiais que a recessão japonesa amortecera temporariamente. A Volkswagen viu seus lucros voltarem a crescer em meio de uma reestruturação ampla, que pode ou não dar-lhe um foco que parecia perdido nos últimos tempos. A Porsche deve assumir o comando acionário da empresa, que detém a maior fatia de vendas na Europa e que dispõe de marcas de luxo rentáveis, como a Audi. A Volks tem boas chances de correr nas duas estradas do futuro no curto prazo, a dos carros baratos e a dos econômicos no consumo de combustível. A Renault já vem seguindo com relativo sucesso esta trilha em associação com a japonesa Nissan.

As montadoras buscam novos rumos diante de um horizonte promissor. Mais carros serão produzidos no mundo nos próximos 20 anos do que em todo o século passado, estima a revista britânica "The Economist". Nele haverá espaço para os novos competidores agressivos, como os chineses, que tecem uma teia de alianças e aquisições na Ásia, e os indianos da Tata, que põem os pés em outros continentes em parceria com a Fiat. A maior parte da demanda de carros baratos e econômicos virá dos países emergentes. As montadoras brasileiras têm experiência em ambos, mas o ambiente de negócios no país tem deslocado os investimentos das multinacionais para seus competidores diretos, como China e Leste europeu. A possibilidade de desenvolver carros para estes mercados a partir do Brasil, que quase chegou a se concretizar, se desvaneceu. Um crescimento robusto da economia, porém, poderá recolocar o país no mapa estratégico da indústria automobilística.