Título: A soberba financeira mundial
Autor: DeLong, J. Bradford
Fonte: Valor Econômico, 02/03/2007, Opinião, p. A13

Alguns analistas ponderados - como Robert Rubin, do Citigroup, Larry Summers, de Harvard, e Martin Wolf, do Financial Times - manifestaram, nos últimos meses, sua estranheza em relação às percepções de risco dos mercados financeiros. Embora os mercados tenham julgado que o mundo atual - especialmente o dólar e os títulos a ele vinculados - apresentem baixo risco quando vistos de uma perspectiva histórica, os riscos geopolíticos, em verdade, parecem grandes. Wolf, por exemplo, argumenta que os mercados financeiros decidiram ignorar, fechar os olhos à realidade e aceitar um "longo prazo de pequenos ganhos", ignorando antecipadamente a "calamidade ocasional" - ao passo que os prejuízos, quando vierem, serão atribuídos, a posteriori, a um "azar imprevisível".

Mas, se os investidores desejarem, hoje, efetivamente, proteger-se contra uma catástrofe geopolítica, o que deveriam fazer? Na geração anterior à Primeira Guerra Mundial, julgava-se que fossem ativos seguros os papéis de dívidas governamentais vinculadas ao padrão-ouro, que proporcionariam, supostamente, proteção contra os vírus inflacionários populistas que afligiam países como México, França ou EUA. Mas aqueles que investiam em papéis da dívida do governo britânico sofreram enormes prejuízos quando o engajamento do Reino Unido na Primeira Guerra Mundial produziu inflação, e os investidores em bônus czaristas cobriram as paredes de seus banheiros com esse papel, depois da Revolução de Outubro.

Depois das inflações na Primeira Guerra Mundial, um investidor prudente poderia ter considerado o ouro - de fácil acesso, portátil e tangível - um ativo atraente. Mas ouro é sinônimo de estagnação, ao passo que capital significa produção. De todo modo, os americanos detentores de ouro viram sua riqueza ser involuntariamente convertida em papel-moeda denominado em dólares pelo governo Roosevelt no pior momento da Grande Depressão. Depois da Segunda Guerra Mundial, os investimentos nos EUA pareciam mais seguros do que quaisquer alternativas. Mas, na década de 1970, os investidores em ações de empresas americanas e em bônus de longo prazo americanos perderam metade de seu principal, e até mesmo investidores em dívida de curto prazo do Tesouro americano perderam 20% em termos reais no fim da década.

Investidores que receiam uma catástrofe geopolítica poderiam, até certo ponto, enfrentar o temor ampliando seu consumo. Mas há um limite para essa opção. Os que temem uma catástrofe geopolítica venderão seus ativos - exercendo uma pressão baixista em seus valores, apenas se existirem outros ativos, mais seguros, que eles se julguem capazes de comprar. Como destacou recentemente Robert Barro, de Harvard, o temor de uma catástrofe geral ou imprevisível - até mesmo de um colapso que deixe incólume um subconjunto de ativos não identificáveis antecipadamente - não afetará os preços relativos dos ativos, porque os investidores não terão motivos para vender ou comprar qualquer ativo em especial.

Segundo Barro, as conseqüências do crescimento do medo de uma catástrofe geral ou imprevisível depende de como esta afetaria a massa mundial agregada de poupança. Medo, tanto quanto obstáculos institucionais, podem ser a fonte do que é uma superoferta de poupança mundial ou um déficit de investimentos mundiais, dependendo da perspectiva do leitor. Se as pessoas são suficientemente avessas a risco para que esse medo adicional do futuro faça com que elas poupem mais, o aumento da incerteza mundial provocará uma alta nos preços dos bônus e ações, e reduzirá juros, dividendos e lucros.

A criação de novos ativos que os investidores possam ter em carteira custa recursos, e quanto maior a demanda por esse tipo de ativos, mais alto será o custo marginal para sua criação. Essa pode ser a situação em que está hoje o sistema financeiro mundial. O principal temor, pelo menos nos meios que freqüento, é de uma repentina reversão dos "desequilíbrios mundiais": um rápido e desestabilizador fim do enorme déficit comercial americano e do enorme superávit comercial asiático.

Em tal crise financeira mundial, se o Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA) acomodar a inflação e acelerar a desvalorização - visando impedir que o colapso do emprego em setores antes financiados por capital estrangeiro provoque uma espiral depressiva -, disso resultará que a dívida americana será um dos ativos mais prejudicados? Mas, e se o Fed recusar-se a acomodar a inflação produzida por um colapso do dólar e aceitar uma depressão - por acreditar que os benefícios de longo prazo da manutenção de sua credibilidade como fiador da estabilidade de preços virão antes que estejamos todos mortos -, as ações de companhias americanas serão prejudicadas.

O valor de ativos imobiliários e industriais chineses também ficariam vulneráveis, se os EUA abandonassem seu papel de importador de última instância, e a estratégia chinesa de desenvolvimento exportador costeiro revelar-se um beco sem saída.

Não me entenda mal, porém, o leitor: pouco mais de metade de meu cérebro concorda com Rubin, Summers, Wolf e companhia. Quem está sujeito ao principal risco que vejo hoje são os investidores em dívida denominada em dólares - e não acredito que eles estejam cobrando um preço justo pelo que estão fazendo. Mas, um quarto do meu cérebro tenta identificar como os investidores deveriam tentar proteger-se contra a cauda mais baixa da distribuição econômica-política, e esses 25% de meu cérebro não conseguem determinar para que lado alguém deveria pular, na esperança de proteger-se contra o risco.

J. Bradford DeLong é professor de economia na Universidade da Califórnia em Berkeley, foi secretário assistente do Tesouro dos Estados Unidos durante o governo Clinton.