Título: Chuvas e trovoadas
Autor: Camba, Daniele
Fonte: Valor Econômico, 02/03/2007, EU & Investimentos, p. D1

Enganou-se quem viu o comportamento mais tranqüilo da bolsa na quarta-feira e achou que o pior já tinha passado. A volatilidade dos preços ontem exigiu dos investidores, no mínimo, o mesmo sangue-frio de quem anda numa montanha-russa. O Índice Bovespa começou o dia caindo menos de 1%. Mas, num piscar de olhos, as vendas ganharam força e, meia hora depois da abertura do pregão, o Ibovespa perdia mais de 4%. Só que quem se desesperou e vendeu ações no calor da queda se arrependeu ao ver os papéis se recuperarem e o Ibovespa fechar em queda de apenas 0,86%, em 43.516 pontos.

Para os analistas, esse nível de volatilidade deve continuar pelo menos enquanto o cenário externo não desanuviar. Esses mesmos profissionais, no entanto, fazem coro ao dizer que os fundamentos globais são sólidos, o que leva a crer que tais quedas não passam de nuvens carregadas que devem se dissipar, voltando a predominar o céu de brigadeiro original.

O pregão ontem já abriu pesado, refletindo as novas quedas das bolsas asiáticas. O principal índice da bolsa de Xangai caiu 3%. Já era o prenúncio de mais um pregão daqueles. A divulgação do núcleo do índice de preços ao consumidor (PCE) dos EUA acima do esperado era o que faltava para completar o viés negativo dos preços.

Como se não bastasse, surgiu ontem o medo de que a valorização do iene provocasse novas perdas para aqueles que fazem operações de arbitragem entre a moeda e outros mercados valorizados - conhecido como "carry trade". Essa operação nada mais é do que o investidor se financiar em moedas de baixo retorno, como o iene, para aplicar em outros mercados, especialmente os emergentes, com ganhos muito mais elevados.

À tarde, o mercado retomou parte da tranqüilidade depois que os números sobre o setor manufatureiro americano vieram acima do esperado, indicando que a economia continua crescendo.

A questão agora é saber o que irá acontecer com as duas principais variáveis do mercado atualmente - China e EUA - e, portanto, qual deve ser a direção dos ativos. Para o economista-sênior do banco Dresdner Kleinworth, em Nova York, Nuno Câmara, os investidores tinham grandes posições alavancadas em mercados emergentes, que se valorizaram muito nos últimos meses, e apenas aproveitaram para vender.

"É o bom e velho efeito manada que está provocando um ajuste técnico dos preços, me surpreende chamarem isso de crise, sendo que os fundamentos em nada se parecem com os de uma crise", diz Câmara. A situação é melhor ainda para o Brasil. No passado, lembra ele, esses "soluços financeiros" afetavam muito os ativos locais porque a economia tinha alicerces frágeis. "O Brasil hoje está entre as economias emergentes com melhores fundamentos", diz Câmara, que acredita que essa queda nada mais do que abriu uma oportunidade de compra das ações a preços mais convidativos.

O economista do banco JP Morgan, Fábio Akira, corrobora a tese de que não existe uma crise. Invariavelmente, todas as crises de dimensões globais nascem de incertezas sobre a economia mundial, o que, segundo Akira, não existe neste momento. "Prova disso é que os preços das commodities continuam fortes", diz o economista. Ele acredita que os mercados estão passando pela mesma correção de preços de maio do ano passado. Com a diferença de que esta tem tudo para ser de menor magnitude, já que em maio de 2006 havia um temor muito mais latente de o banco central dos EUA deflagar um processo de alta dos juros.

A queda atual é uma super-oportunidade de compra, afirma Luis Stuhlberger, sócio da Hedging-Griffo. "Eu estou muito feliz, estou comprando algumas ações que antes não tinham vendedores, estou muito contente", diz. "Vínhamos com um mercado forte deste setembro, é muito tempo de alta sem parar". Era provável, portanto, que em algum momento uma forte realização acontecesse.

Stuhlberger acha que o mais importante é que os fundamentos do mercado são hoje muito sólidos. "Estupidamente sólidos, temos todas regiões do mundo em crescimento acelerado, menos os EUA, que estão em um momento de transição, mas que deve terminar em um soft landing da economia que permitirá moderado crescimento", diz. "E quando há fundamento, há fluxo de recursos."

Mas há quem acredite que é cedo para dizer que tudo não passa de uma pedra no caminho. Para o estrategista da Unibanco Corretora, Carlos Macedo, muito mais do que China ou qualquer outro fator, é o nível de desaceleração da economia americana que irá ditar o destino dos mercados. "E isso está menos claro do que se imagina", diz. As ações ordinárias da Natura tiveram ontem a maior queda - 13,73%. Além do dia, os papéis reagiram ao resultado da empresa. (Colaborou Angelo Pavini)

Excepcionalmente, deixamos de publicar a coluna "De olho na bolsa"