Título: Turbulência e BC forçam desmonte de 'vendidos'
Autor: Guimarães, Luiz Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 02/03/2007, Finanças, p. C1
As pesadas intervenções feitas pelo Banco Central no mercado de câmbio nos últimos dias e a forte volatilidade externa forçaram os investidores estrangeiros a reduzir drasticamente suas posições "vendidas" carregadas tanto no pregão de dólar futuro quanto no de juros. A posição líquida em dólar futuro do capital externo se reduziu de US$ 5,87 bilhões na sexta-feira passada para US$ 2,643 bilhões no último dia de fevereiro, num tombo de 54,97%. No segmento de DI futuro da BM&F, o desmonte de operações sobrevendidas dos hedge funds foi menos intensa, mas sensível. A posição "vendida em taxa de juros", que aposta na queda da Selic, recuou 14,12%, de US$ 83,6 bilhões para US$ 71,8 bilhões no mesmo período.
O desarme parcial das posições dos estrangeiros decorre de uma conjuntura que combina incertezas sobre o comportamento futuro dos mercados globais e uma clara intenção do BC de punir, via mercado à vista, os especuladores de fora. O diretor da NGO Câmbio, Sidnei Nehme, desconfia que as posições em dólar carregadas no mercado futuro da BM&F podem até ter sido zeradas ontem dado a violência com que o BC atuou para provocar perdas às carteiras externas. Na quarta-feira, dia de vencimento dos contratos futuros de câmbio, as instituições promoveram um megagiro de US$ 7 bilhões no mercado à vista para derrubar a taxa "ptax", utilizada para a liquidação dos contratos futuros.
Não conseguiram porque o BC triplicou sua intervenção. Ao invés da média de US$ 500 milhões de compra de dólares que prevaleceu no mês passado, o BC adquiriu nada menos do que US$ 1,45 bilhão e impôs prejuízos aos "vendidos". Ontem, já superada a tensão do encerramento dos contratos de março, a atuação do BC foi mais discreta. Aceitou cerca de quatro propostas e retirou do sistema US$ 681 milhões.
A diminuição das posições vendidas em CDI futuro é uma conseqüência natural da alta do dólar no mercado à vista e dos temores de que os solavancos externos venham a induzir o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que volta a se reunir na próxima quarta-feira, a encerrar o ciclo de baixa da taxa Selic, mantendo-a em 13%. Nessa hipótese, os efeitos imediatos sobre os contratos futuros, sobretudo os mais longos, seriam devastadores. Cada decisão que afete minimamente a taxa à vista reverbera em dobro na estrutura a termo de juros. Passado o impacto inicial, contudo, se a crise dos mercados externos não for mesmo estrutural, as apostas contra o BC - de que não poderá segurar a Selic elevada por muito tempo - voltarão com força redobrada.
O estrategista do UBS Wealth Management, Paulo Tenani, acredita que as mudanças nos posições das carteiras externas são circunstanciais porque as turbulências externas têm caráter transitório. Elas não decorrem de choques sentidos no lado real das economias dos EUA e da China. São movimentos de mercado destinados a promover ajustes de posição. "A bolsa de Xangai não tem o poder de produzir riquezas como o Dow Jones. Se a bolsa americana cai muito, a face real da economia sofre, da mesma forma que vinha se beneficiando do efeito-riqueza. Isso não acontece em relação ao pregão chinês", diz Tenani.
O cenário do estrategista é de desaceleração forte da economia dos EUA, para um ritmo de expansão ao redor de 2%, que favorece a correção natural dos desequilíbrios americanos. Isso não é uma má notícia para o Brasil. Por isso, superada a atual fase de inquietações, voltarão a predominar as operações de estrangeiros destinadas a aproveitar a elevada taxa de juros brasileira.
Para Tenani, em algum momento a Selic cairá e o dólar subirá a ponto de neutralizar as operações, mas enquanto o BC estiver pagando um prêmio gordo para quem quiser correr o risco cambial as posições vendidas irão continuar predominando. Pelos cálculos do estrategista, a Selic teria de cair a 9,5% (está hoje em 13%) para que o investidor externo hesitasse em fechar operações aqui. Os fundos estrangeiros não devem desistir de sua aposta de que o juro básico terá de cair mais fortemente no futuro, ajustando a taxa de câmbio. Enquanto isso não ocorre, resta auferir os lucros polpudos do carregamento.