Título: Afonso Bevilaqua deixa Banco Central
Autor: Ribeiro, Alex e Safatle, Claudia
Fonte: Valor Econômico, 02/03/2007, Finanças, p. C3

Afonso Bevilaqua, diretor de Política Econômica do Banco Central por três anos e oito meses e símbolo do conservadorismo do BC na gestão da política monetária, deixou ontem o cargo "por motivos pessoais". A função será acumulada, por tempo indeterminado, pelo diretor de Estudos Especiais, Mário Mesquita, conforme nota oficial da instituição. Sua saída já era esperada, seria parte de um acerto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o presidente do BC, Henrique Meirelles, para oxigenar o Banco Central e acende os ânimos dos que desejam uma trajetória mais ousada de redução da taxa de juros. Bevilaqua deixa o BC justamente no dia em que o presidente Lula fez elogios ao sucesso da política econômica e confirmou no cargo seus principais condutores.

Durante entrevista coletiva para anunciar a decisão, tomada ontem mesmo, o presidente do BC foi questionado se teme que agora, com a saída do diretor que seria a expressão maior do conservadorismo do BC, perderá um escudo que o protegia do fogo amigo. "(O fogo amigo) nunca me abandonou", disse Meirelles.

"Bevilaqua estava aqui há quase quatro anos e era o mais longevo diretor de Política Econômica do regime de metas de inflação", lembrou Meirelles. "Ninguém vem para o BC para ficar por tempo indeterminado." Segundo ele, o presidente Lula e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, foram informados previamente. Meirelles sorriu quando questionado qual foi a reação dos dois.

"Naqueles filmes mexicanos antigos, sempre havia o mocinho e o bandido, o 'malo de la película'. Pois acham que eu sou o 'malo de la película', o responsável por tudo que há de ruim. Fazer o quê?", costumava dizer Bevilaqua a cada boato de que estava para deixar o cargo. E ele próprio fez as contas: por 14 trimestres seguidos foi alvo de notícias dando conta de sua saída iminente da diretoria do BC.

"Na academia, minha área de pesquisa era a política econômica aplicada. Estou aqui no BC fazendo exatamente isso: política econômica aplicada. O que mais posso querer da vida?", disse em conversa recente, quando questionado se lhe incomodava ser o centro das críticas do PT e foco do "fogo amigo".

Ontem, após anunciar a decisão, o diretor declarou: "Tive uma satisfação enorme de ter participado de uma instituição vencedora como o BC e ter feito o trabalho que fiz durante todo esse tempo". Foi um período de forte desinflação combinada com apreciação da taxa de câmbio e de uma brutal mudança na face das contas externas.

Bevilaqua negou que a decisão de deixar o governo, tomada ontem, esteja relacionada às pressões políticas, até por que "elas aconteceram durante quatro anos". Ele argumentou que quer estar mais próximo dos filhos, que moram no Rio. "Vou voltar a caminhar na praia." Bevilaqua permanece no cargo até terminar a transição das tarefas no BC e, segundo Meirelles, provavelmente ele irá participar da próxima reunião do Copom, marcada para a próxima semana. Sobre seu futuro profissional, só irá defini-lo após a quarentena, de quatro meses.

Na semana passada, como que deixando um legado de sua passagem pelo banco, Bevilaqua divulgou um estudo, elaborado em parceria com Mário Mesquita, em que deixa claro que os boatos e as especulações sobre a opção do governo por uma política monetária expansionistas produzem custos para a economia. "A credibilidade do BC foi negativamente afetada por uma noção equivocada de que o governo poderia negar o apoio a uma política monetária autônoma, orientada à estabilização da moeda", diz o texto.

Oriundo de uma familia de militares, descende diretamente de pelo menos quatro gerações de oficiais de Exército, a começar por Benjamin Constant, um dos fundadores da República. O avô, Peri Constant Bevilaqua, opôs-se à tentativa de impedir a posse de João Goulart, foi cassado pela linha dura Superior Tribunal Militar, filiou-se ao MDB e participou ativamente na luta pela anistia.

Talvez por isso, Bevilacqua é metódico, organizado e detalhista. Quando dava aulas na PUC-Rio era capaz de achar livros e outras publicações de olhos fechados em sua estante. Bevilaqua tem uma memória prodigiosa para guardar números, fatos, datas e textos. Quando professor, era capaz de indicar com exatidão, por exemplo, qual volume dos boletins do Fundo Monetário Internacional (FMI) continham determinada série estatística. Nas entrevistas trimestrais para apresentar o relatório de inflação, recitava parágrafos inteiros do que estava escrito no documento.

Ser conservador na administração da política monetária, se para uns era uma crítica, para ele era uma função clássica de um BC. Costuma citar a tese de Kenneth Rogoff , professor em Harvard, de que é aconselhável ter um Banco Central mais conservador do que a média da sociedade, pois ao se delegar a política monetária a um agente mais avesso à inflação do que as preferências da sociedade (esta mais preocupada, por exemplo, com o emprego) e com uma visão de mais longo prazo do que as autoridades políticas, é possível obter uma taxa de inflação mais baixa do que a que ocorreria caso esse agente, o BC, tivesse as mesmas preferências do restante da sociedade. Leitor compulsivo de jornais, lia absolutamente tudo que eventualmente pudesse ter relação com as atividades do BC.

Entre os inimigos, é frequentemente considerado arrogante. Já os amigos dizem que o que os outros chamam de arrogância é, na verdade, inflexibilidade. Por essa característica, também não foi uma pessoa querida, sobretudo entre gestores de fundos.

Em fins de 2005, a taxa de câmbio fez uma corcova, depreciando-se para voltar a se apreciar em janeiro. Gestores de fundo dizem que o Banco Central desacelerou as compras nercado sem justificativas, o que causou prejuízos no mercado. Bevilaqua, quando cobrado, manteve sua costumeira inflexibilidade .