Título: O dia em que a Penha parou
Autor: Khodr, Carolina; Edson Luiz, Tiso, Joana
Fonte: Correio Braziliense, 26/11/2010, Brasil, p. 7

GUERRA NO RIO Enquanto os policiais avançavam Vila Cruzeiro adentro, o comércio fechava as portas e a população corria para as casas, com medo de bala perdida

Rio de Janeiro ¿ Nas filas de banco, nas salas de espera dos consultórios, nos bares, em todos os lugares do Rio o assunto é um só: a onda de violência na cidade e, sobretudo, o confronto entre policiais e traficantes. A TV transmitiu em tempo real a invasão liderada pelo Batalhão de Operações Especiais (Bope) à Vila Cruzeiro, favela da Penha, Zona Norte do Rio ¿ principal reduto do tráfico de drogas ao lado do Complexo do Alemão atualmente. Esses são locais em que a polícia não entrava há tempos. A população se juntou em torno das televisões espalhadas pelos estabelecimentos da cidade para assistir, estupefata, à batalha.

Há muito tempo um evento não mobilizava tanto a sociedade. ¿É Tropa de Elite 3 ao vivo¿, comentou o dono de um pequeno restaurante no Centro, referindo-se ao filme dirigido por José Padilha. ¿Só vi tanta gente em volta da TV para acompanhar os ataques de 11 de setembro nos Estados Unidos¿, comentou Carolina Thimoteo, que passava pelo local.

Enquanto 350 policiais (militares e civis) avançavam pela Vila Cruzeiro, os moradores mostravam ansiedade. Segundo Michele Lima, moradora da Penha, a maioria da população do bairro apoia a ação, planejada pelo governo estadual desde o dia anterior. A região se transformou no maior bunker de traficantes do Rio ¿ com o Complexo do Alemão ¿ depois que recebeu bandidos de comunidades que foram ocupadas pelas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). ¿Eu, como moradora da Penha, apoio essa operação da polícia. Infelizmente, o que precisamos são medidas firmes e drásticas como esta. Estamos cansados de acordar escutando tiros e dormir escutando tiros¿, afirmou Michele. ¿Esperamos que isso tenha um fim o mais rápido possível. Estamos assustados e nos sentimos presos dentro de nossas próprias casas, pois o risco de bala perdida é enorme. Os colégios daqui cancelaram as aulas. Meus cinco irmãos que estudam na rede pública ficaram sem aula.¿

A Secretaria Municipal de Educação informou que 17 escolas e 12 creches, que atendem mais de 12 mil alunos na região, não funcionaram. Os estabelecimentos da Penha também fecharam as portas ao longo do dia. Por volta das 13h, os policiais entraram na Vila Cruzeiro para buscar e prender criminosos. O confronto paralisou ainda mais o bairro. No fim da tarde, o morro já estava tomado.

Na Vila da Penha, bairro vizinho à Penha, o comércio voltou a abrir as portas, mas as pessoas evitaram as ruas pelo segundo dia seguido. Na quarta-feira, houve confronto entre policiais e traficantes do Morro da Fé ¿ favela da região. Ontem, porém, os tiros foram escutados de longe.

¿O medo principal é de bala perdida, já que um tiro de fuzil alcança até 1,5km e nós estamos próximos do conjunto de favelas da Penha. Ainda é possível escutar alguns disparos e a polícia continua no bairro¿, contou Alex Melo, morador da Vila da Penha. (JT)