Título: A batalha final já começou
Autor: Khodr, Carolina; Edson Luiz, Tiso, Joana
Fonte: Correio Braziliense, 26/11/2010, Brasil, p. 7

Guerra no Rio Invasão do Complexo do Alemão, programada para 2012, deve ser antecipada depois da ocupação da Vila Cruzeiro ontem. Com tanques e pânico nas ruas, A cidade viveu seu dia mais violento Mariana Ceratti Alana Rizzo

A segurança que desapareceu das ruas do Rio ¿ especialmente no subúrbio ¿ sumiu também das palavras do secretário de Segurança Pública do estado, José Mariano Beltrame. O discurso parecia o mesmo, mas o tom era definitivamente outro. Se no início da semana, após os primeiros ataques dos criminosos ¿ com arrastões e carros incendiados ¿, a postura alternava nuances de confiança e de triunfo, ontem, em entrevista após o quinto dia seguido de guerra aberta em vielas e morros da capital fluminense, Beltrame abriu a faceta da preocupação e admitiu que vai precisar da ajuda da Polícia Federal (leia mais na página 12).

Não era para menos. A quinta-feira na cidade sempre batizada como maravilhosa teve o adjetivo atropelado. E nesses tempos belicosos, nada da tal polícia pacificadora: atropelado por tanques mesmo. A ocupação da Vila Cruzeiro, transmitida ao vivo pela TV e comemorada por policiais civis e militares como se fosse uma tomada de Tropa de Elite, durou aproximadamente quatro horas e teve apoio da Marinha do Brasil, que cedeu nove blindados (leia mais na página 8).

Na invasão da favela em que a polícia tradicionalmente não entra, bandidos fugiram em disparada para o vizinho Complexo do Alemão ¿ um deles foi baleado em cenas que o país assistiu na ¿sessão da tarde¿. ¿Existe uma rota de fuga¿, admitiu o subchefe operacional da Polícia Civil do Rio, delegado Rodrigo Oliveira. ¿Mas a favela está dominada¿, celebrou. ¿É a resposta que a sociedade esperava.¿

Há uma chance grande de o subchefe da polícia estar errado. Se, por um lado, parte dos moradores apoia a ação, por outro, de acordo com quem estuda o assunto, a sociedade continua se sentindo insegura (leia mais na página 9). E quem viveu o terror de perto, no caso, os moradores da Penha, descreve os momentos da ocupação de ontem com o desespero estampado em cada sílaba.

Trancados em casa, prisioneiros do Estado e do crime organizado, os moradores da Vila Cruzeiro viveram um drama que não tem hora para acabar. O medo é o mesmo: a bala perdida que ¿ acreditam ¿ inevitavelmente atravessará a parede de casa. Moradores ouvidos pelo Correio contaram que em pelo menos um aspecto bandidos e polícia concordaram: a orientação para reclusão e silêncio (leia depoimento na página 9).

Para completar, os números reforçaram a calculadora de somar tragédias. Somente ontem foram incendiados 36 veículos nas ruas da cidade e sete pessoas morreram. Aproximadamente 115 ônibus ficaram sem circular na região da comunidade Vila Cruzeiro por conta da operação e oito escolas acabaram fechadas. No Rio, já são mais de 12 mil alunos sem aula.

A maior ação policial registrada na história recente da capital fluminense, e suas tão terríveis quanto imprevisíveis consequências, não puderam passar incólumes pela imprensa internacional, que dedicou um bom espaço ao caos instalado na cidade que sediará as Olimpíadas de 2016 e a final da Copa do Mundo de 2014 (leia mais na página 11).

Numa cena tão triste quanto sintomática, moradores do Complexo do Alemão, ao perceberem que estavam recebendo os criminosos fugidos da Vila Cruzeiro, acenaram panos brancos nas janelas num angustiado pedido de paz.

Paz que muito provavelmente não virá. A Secretaria de Segurança já havia elaborado um detalhado plano de invasões, e o Complexo do Alemão estava previsto para ser invadido em 2012. O ano coincidiria com a formação de homens em quantidade suficiente para a implantação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Porém, ao que tudo indica, os planos foram atropelados. Com um detalhe: os criminosos sabem que o governo não tem, hoje, efetivo suficiente para invadir o local. O modelo de Cabral estabelece um policial para cada 80 habitantes. O confronto de daqui a dois anos estava sendo chamado, entre os policiais do Rio, de ¿A batalha final¿. Pelo que se viu ontem, é mais provável que ela já tenha começado.

36 veículos incendiados somente ao longo do dia de ontem, o mais grave desde o início dos ataques, no domingo. 21 escolas fechadas, totalizando mais de 12 mil alunos sem aula só nesta semana. 753 ligações para o disque-denúncia, que acabou resultando na prisão de 12 pessoas. 500 munições apreendidas durante o dia, além de três galões de gasolina e seis dinamites.