Título: SEC pune executivos por 'insider trading'
Autor: Bautzer, Tatiana e Vieira, Catherine
Fonte: Valor Econômico, 23/02/2007, Empresas, p. A6

A Securities and Exchange Commission (SEC), órgão regulador do mercado americano, anunciou ontem a punição do ex-diretor financeiro da Sadia, Luiz Gonzaga Murat Júnior, e do ex-funcionário do banco ABN Amro Real Alexandre Ponzio de Azevedo por uso de informação privilegiada na negociação com ações da Perdigão no período da oferta hostil de compra feita pela Sadia. Ambos compraram ações no mercado americano.

Os dois fizeram um acordo com a SEC pelo qual não admitem conduta ilegal, mas pagam multas e submetem-se a suspensões. Murat pagará US$ 364.432,12 em multas e está proibido de atuar em companhias abertas por cinco anos. Ponzio de Azevedo recebeu multa de US$ 135.380,45 e não pode atuar no mercado financeiro por três anos. Ontem à noite, depois que a SEC divulgou o acordo com os ex-executivos da Sadia e do ABN, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulgou comunicado informando que recebeu "confissão de negociação irregular por um terceiro participante do mercado e detectou a ocorrência de negociação potencialmente indevida por outros participantes, mas em prol das investigações manterá seus nomes em sigilo até a fase final", informa o comunicado.

Tanto a CVM quanto a SEC informam que estão trocando informações sobre as respectivas investigações. No caso do processo envolvendo Murat e Azevedo, a CVM ressalta que já está em fase final e que os executivos já prestaram depoimento à autarquia. No Brasil também existe a figura do termo de compromisso, mas diz que não há negociação neste caso. A CVM lembra, no comunicado, que "no Brasil, a prática de negociação com base em informação privilegiada constitui crime de ação penal pública", e que um eventual acordo não afasta o dever de comunicação de fatos eventualmente apurados ao Ministério Público.

No dia 10 de outubro, o Valor publicou a notícia das investigações pela CVM e SEC. De posse de informações de que Murat estava envolvido no chamado "insider trading", procurou a Sadia. O presidente da companhia, Walter Fontana, negou que Murat tivesse saído por causa da negociação ilegal. Mas o Valor apurou à época que a demissão de Murat foi precedida de de uma confissão de culpa ao conselho de administração. A informação vazou para o mercado financeiro e deixou chocados todos que o conheciam. Agora, a Sadia continua negando ter tido conhecimento prévio. O diretor de relações com investidores, Welson Teixeira, que assumiu o cargo com a saída de Murat, afirma que na época a companhia "não tinha nenhum conhecimento de que ele estava sendo investigado". Walter Fontana também disse numa entrevista este mês que a companhia não tem conhecimento de investigações envolvendo o ex-conselheiro Romano Ancelmo Fontana Filho, que renunciou em dezembro.

O termo de acusação da SEC descreve em detalhes a conduta ilegal de Murat, que começou a comprar ações ainda durante as reuniões da Sadia com bancos de investimento para avaliar a compra da Perdigão. No dia 7 de abril, os executivos de um banco de investimento reuniram-se com Murat e com o presidente do conselho, Walter Fontana, e recomendaram que a Sadia fizesse uma oferta pela Perdigão. No mesmo dia, Murat comprou 5.100 recibos de ações da Perdigão (american depositary shares - ADS) no mercado americano, por

US$ 354.363. A Sadia contratou os advogados em 18 de abril e discutiu novamente o negócio com os bancos no dia 20 de abril. No mesmo dia, houve um "split" de ações da Perdigão que levou a carteira de Murat para 15.300 ADS.

No dia 21 de junho a companhia recebeu garantias de um empréstimo-ponte do ABN Amro de para financiar a aquisição. Pouco mais de uma semana depois, no dia 29, Murat comprou mais 30.600 ADS da Perdigão, por

US$ 589.783, elevando sua posição total para 45.900 recibos de ações.

O negócio foi aprovado pelo conselho no dia 13 de julho e anunciado no domingo, dia 16. As ações da empresa subiram 21% na segunda-feira, mas a Perdigão rejeitou a oferta. Na quinta à noite, a Sadia elevou o preço, mas sofreu nova recusa antes da abertura dos mercados no dia seguinte.

A acusação descreve o momento da venda em detalhes. "Na tarde de sexta, 21 de julho, a Sadia comunicou à Comissão de Valores Mobiliários às 13h25 e divulgou um release à imprensa às 13h31, informando que estava revogando a oferta. Entre 13h25 e 14h20, os papéis da Perdigão caíram de US$ 26,57 para US$ 22,75. Murat, sabendo que a Sadia havia comunicado a CVM (...) e divulgado um release (...), observava a queda dos preços dos ADS da Perdigão de um terminal no seu escritório durante a tarde de sexta-feira. Às 13h50, quando o preço já havia caído para US$ 24,60, e com a expectativa de maior queda, Murat ligou para sua corretora e instruiu quem atendeu a ligação a vender toda sua posição em Perdigão. O atendente deixou sua ligação em espera, disse que precisava desligar, e ligou de volta. Murat mudou então sua ordem para vender apenas 15.300 ADS da Perdigão, posição que havia comprado no dia 7 de abril. A venda foi executada em dois blocos às 14h09 e 14h10, rendendo US$ 351.976." Toda operação rendeu ao ex-diretor financeiro da Sadia US$ 180,4 mil.

O Valor procurou Luiz Gonzaga Murat numa fazenda de sua família em São Manuel e deixou recado com um dos funcionários, mas não recebeu retorno.

O diretor de relações com o mercado da Sadia, Welson Teixeira, afirma que apesar do fato grave envolvendo o ex-diretor financeiro da companhia por 12 anos, não há nenhuma dúvida sobre outros problemas na companhia. "Estamos cumprindo com todos os regulamentos da lei Sarbanes-Oxley, estamos sendo certificados pelos mecanismos de controle de fraudes." Teixeira diz que o episódio envolvendo Murat é "isolado e considerado passado na companhia". Mas admite que não pode garantir que não haja mais investigações de pessoas na companhia. "É bom lembrar que foi a própria Sadia que chamou a atenção da CVM para a negociação irregular."

Alexandre Ponzio de Azevedo foi demitido pelo ABN Amro assim que a instituição soube do insider trading. Em nota à imprensa, o banco diz que "possui políticas e mecanismos internos para coibir o uso de informações privilegiadas por seus colaboradores. No caso em questão, tomou as medidas necessárias tão logo teve conhecimento do descumprimento de tais medidas por um ex-funcionário".

Segundo o texto de acusação da SEC, Azevedo foi informado sobre a oferta em 11 de abril, porque fazia parte do time de fusões e aquisições do banco. Em 25 de maio de 2006, o ABN proibiu a negociação de ações da Perdigão por seus funcionários. Mas Azevedo desobedeceu a regra e comprou 14 mil ADS da Perdigão no mercado americano em 20 de junho, a US$ 19,25. O ex-executivo do ABN resolveu realizar o lucro já na segunda-feira, dia seguinte ao anúncio da oferta pela Sadia. Por meio de uma conta online na corretora, entre 13h53 e 15h54 (horário de Nova York), Azevedo colocou quatro ordens de venda para 10.500 ADS, lucrando US$ 52.290. Ele manteve em carteira 3.500 ADS, nas quais obteve lucro de US$ 14.875. O Valor não localizou Alexandre Ponzio de Azevedo. Deixou recado num telefone em seu nome na cidade de Ibiúna.