Título: Pressão sobre Tombini
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 26/11/2010, Economia, p. 14

CONJUNTURA Antes mesmo de tomar posse, o futuro presidente do Banco Central já se depara com a necessidade de subir os juros para conter a disparada da inflação. Assessores de Dilma garantem que ele não será complacente com a perda do poder de compra do real

Ainda nem foi nomeado e o substituto de Henrique Meirelles no comando do Banco Central, Alexandre Tombini, 47 anos, já tem uma prova de fogo para superar: conter a disparada da inflação, que avança a passos largos para superar os 6% neste ano e os 5% em 2011. Não à toa, instalou-se um amplo debate no governo e no mercado financeiro se o Comitê de Política Monetária (Copom) terá que dar início a um novo ciclo de aumento da taxa básica de juros (Selic) em dezembro, na reunião marcada para os dias 7 e 8.

Apesar do reconhecido conhecimento técnico e do equilíbrio de Tombini para tomar decisões difíceis, parte dos analistas teme que o BC, nesta retal final do governo Lula, opte por não endossar medidas impopulares. Assessores da presidente eleita, Dilma Rousseff, asseguram, porém, que Tombini e Meirelles têm autonomia suficiente para definir a política monetária. ¿Não há e não haverá complacência com a inflação¿, disse ao Correio um desses assessores.

Dentro do BC, a expectativa é grande, sobretudo porque, tanto na ata da última reunião do Copom ¿ quando a Selic foi mantida em 10,75% ao ano ¿, quanto no mais recente relatório trimestral de inflação, os diretores da instituição asseguraram que o quadro inflacionário era benigno. Ou seja, não havia riscos de o custo de vida se distanciar muito do centro da meta definida pelo governo, de 4,5%. ¿A realidade, porém, está mostrando que o BC errou em suas avaliações. Será que agirá rapidamente para conter os estragos que a inflação pode fazer no orçamento da população, especialmente a mais pobre?¿, indagou um técnico do Tesouro Nacional. ¿Felizmente, pelo histórico do BC, podemos concluir que sim¿, tratou de responder.

Formado em Economia pela Universidade de Brasília (UnB), com PhD pela Universidade de Illinois, dos Estados Unidos, o gaúcho Tombini dá sinais de que está pronto para agir e cumprir a principal missão do BC ¿ a de assegurar a estabilidade da moeda. Quem conversou com ele nos últimos dias garante que é questão de honra para o futuro presidente do BC enterrar de vez o fantasma do fim da autonomia operacional que foi alardeado por Meirelles, quando ele ainda acreditava que ficaria no comando da instituição. ¿Com Tombini, a credibilidade construída nos últimos anos pelo BC será até reforçada¿, afirmou José Luís Rodrigues, presidente da Consultoria JL Rodrigues.

Tomada do poder Nos corredores do BC, Tombini já é chamado de presidente e ministro, devido ao status do cargo mantido por Dilma. Servidor da casa desde 1995, onde dá expediente diário de mais de 12 horas, é visto como uma pessoa muito dedicada. Pela rápida ascensão, ele conquistou a admiração de outros técnicos, que sonham repetir o feito do colega. Ao assumir a Presidência do banco, Tombini deverá protagonizar um feito histórico, caso opte por um técnico para a diretoria de Normas: pela primeira vez, todo o primeiro escalão do BC terá saído do setor público. Alguns até brincam: ¿O funcionalismo tomou poder¿.

Para o mercado, Meirelles não fará sombra a Tombini, já que o futuro presidente vem sendo preparado para o cargo desde que assumiu a diretoria de Normas. Ele também teria construído boa relação com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, mantido no cargo pela presidente eleita. ¿Tombini representa a continuidade. É um profissional muito preparado¿, disse Rodrigues. ¿Creio que ele seguirá uma política responsável em relação à inflação¿, afirmou Ilan Goldfajn, ex-diretor do BC e atual economista-chefe do Itaú Unibanco. ¿O desafio de Tombini será realizar uma política monetária que mostre que está atento às pressões inflacionárias¿, acrescentou Carlos Thadeu de Freitas, também ex-BC.

Tombini terá, ainda, que fazer valer a promessa do ministro da Fazenda de pôr freio na gastança do governo nos últimos dois anos, que ajudou a eleger Dilma Rousseff, mas está fazendo estragos na inflação, com os preços dos alimentos.

MANTEGA QUER ÍNDICE SEM ALIMENTOS E COMBÚSTIVEIS » O ministro da Fazenda, Guido Mantega, admitiu que seus assessores estão estudando a formulação de um índice inflacionário que excluirá a alta de preços dos alimentos e dos combustíveis, seguindo o modelo usado nos Estados Unidos. ¿Não é mudar. É deixar a que está aí e acrescentar uma indicação que tire alimentos e combustíveis¿, afirmou. Ele ressaltou, porém, que, no Brasil, já se avalia os núcleos da inflação, que descontam reajustes atípicos. O problema é que todos os olhos se voltam para a inflação cheia, muitas vezes distorcida. Sobre a possibilidade de o país adotar metas de inflação menores do que os 4,5% atuais, o ministro frisou que antes será preciso superar dois problemas: a indexação da economia provocada pelos preços administrados e o impacto das commodities (mercadorias com cotação internacional).

COMIDA MAIS CARA

Problemas climáticos e conjunta internacional desfavorável vão manter os preços dos alimentos em alta em 2011 e, possivelmente, também em 2012, causando pressões inflacionárias e dor de cabeça à presidente eleita, Dilma Rousseff. O cenário negativo tende ainda a prejudicar a população mais pobre, justamente a que garantiu à petista a vitória eleitoral. Vão sustentar a elevação dos itens alimentícios o aumento do consumo de alimentos na Ásia; o uso de produtos agrícolas ¿ milho, principalmente ¿ para produção de etanol nos Estados Unidos; e os excessos de chuvas e estiagens.

Na avaliação de Célio Brovino Porto, secretário de Relações Internacionais do Agronegócio, do Ministério da Agricultura, as secas que prejudicaram as produções de açúcar na Índia e de trigo na Rússia foram alguns dos motivos para a disparada de preços pelo mundo e para as intervenções dos governos na tentativa de controlar o valor das commodities. O volume de exportações fracassaram, pois diminuíram a produção e descapitalizaram os agricultores.

Entretanto, Porto crê que as exportações do agronegócio brasileiro, que devem movimentar cerca de US$ 75 bilhões este ano, podem ser afetadas em 2011 se a crise econômica na Europa ¿ principal praça que recebe os produtos brasileiros ¿ perdurar e a guerra cambial, que tem criado distorções no mercado, não for combatida. ¿Os preços estão em níveis remuneradores em dólar. Quando eles são convertidos em real, a taxa de câmbio não é tão favorável¿, destacou.

Carne de frango Presidente da União Brasileira de Avicultura, Francisco Turra não vê um cenário favorável para o consumidor, quando o assunto é o preço frango. ¿A escassez da carne bovina redirecionou o consumo para o frango. Atrelado a isso, o encarecimento do milho, principal insumo de produção, também contribuiu para elevação do valor do quilo da ave. Esse cenário deve permanecer no próximo ano, pois os problemas climáticos são esperados.¿