Título: Muita demora para começar o novo governo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 23/02/2007, Opinião, p. A16

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o seu segundo mandato há 23 dias - e o ministério do primeiro governo avança pelo segundo sem nenhuma pressa, sem qualquer certeza que vá continuar e, exceto pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), sem nenhuma visão do que vai mudar politica e administrativamente nos próximos quatro anos. A falta de pressa, antes, era atribuída à pouco inteligível estratégia de considerar como prévia a qualquer entendimento entre os aliados a definição para as mesas diretoras da Câmara e do Senado, funções que não dizem respeito ao Executivo e onde a oposição não tinha nenhuma chance. Agora a justificativa é nenhuma: apenas um arrastar de sandálias, ou destinada a desarticular grupos que se fortaleceram com o atraso na definição do gabinete, ou para desmontar frustrações e mágoas acumuladas durante o processo de disputa no Congresso, ou ainda porque o presidente Lula assim o quer. Ou nenhuma das anteriores.

Na política, a falta de pressa nem sempre é amiga da perfeição. Definidos os partidos que comporão a base governamental, se o processo de escolha tivesse sido mais ágil seriam menores os espaços para pressão, para articulação de grupos e para fortalecimento de pessoas ou facções, nesse momento indesejáveis politicamente. Se, por exemplo, a definição ministerial tivesse sido feita antes da eleição para as mesas diretoras, Lula estaria lidando com mais força com os grupos que foram a pedra no seu sapato no primeiro governo, quer por envolvimento com o "mensalão", quer pela excessiva benevolência com aqueles que se envolveram no episódio. A vitória de Chinaglia fortaleceu claramente os personagens que foram responsáveis pela maior crise política do primeiro governo e restabeleceu o poder de ação partidária do ex-deputado José Dirceu.

Com os demais partidos, a demora também provoca algumas medidas preventivas que podem ser um problema para o segundo governo. O primeiro movimento claro foi a união dos pequenos partidos de esquerda num bloco, por ocasião da composição da mesa. Exceto o PDT, que ficou em cima do muro no primeiro mandato, os demais partidos foram leais a Lula e disciplinados - e, apesar de terem sido críticos das intenções "hegemônicas" do PT, mantiveram não apenas entendimentos com a bancada petista, como de certa forma neutralizaram a companhia, na base aliada, dos pequenos partidos fisiológicos de direita.

No caso do PMDB, que agora se alia oficialmente ao governo, o apoio ao candidato petista Arlindo Chinaglia (SP) à presidência da Câmara foi uma jogada de mestre. O PMDB aumentou o seu cacife com uma vitória que não é propriamente sua - e a ação, como raramente acontece, é dos "governistas" e "oposicionistas", sem distinção de grupos. Deu uma demonstração de unidade antes mesmo que o real segundo governo de Lula se concretize.

O que Lula tira de ruim dessa demora é que, quanto mais passa o tempo, mais fica difícil fazer uma coalizão que una a técnica e a política. As chances de que imponha nomes que dêem continuidade a políticas eficientes ou que coloquem para andar o que não funcionou num primeiro mandato são menores do que a de ter que engolir caciques políticos ou seus representantes.

A outra desvantagem é que o anúncio do PAC cada vez mais se distancia da escolha do novo ministério. O lógico seria que, formado um ministério, o presidente já o envolvesse e o comprometesse com os objetivos do programa. Qualquer plano dessa extensão exige uma articulação ministerial poucas vezes obtida no primeiro governo, e os personagens dessa articulação são desconhecidos até agora, mesmo depois de o PAC ter sido minuciosamente anunciado pelo governo.

Até agora, apenas se sabe de alguns "imexíveis" do velho ministério. Os novos, quando mais passa o tempo, mais chances têm de não serem escolhidos pela qualidade técnica e mais espaço terão para lidar com sua pasta como se fosse um feudo partidário. Se não for essa a intenção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, fica a pergunta: o que ele está esperando?