Título: Novo PIB, novos problemas
Autor: Safatle, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 23/03/2007, Brasil, p. A2

A revisão dos dados do PIB de 2000 a 2005 introduz uma nova discussão sobre o grau das políticas monetária e fiscal do governo. Ao Banco Central caberá reexaminar a calibragem da taxa de juros frente às informações trazidas pela mudança da metodologia do IBGE no cálculo do PIB. Ao Ministério da Fazenda fica a tarefa de rediscutir com o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, o tamanho do superávit primário deste ano.

Aí cabem pelo menos duas visões, conforme avaliações de técnicos do governo que desde quarta-feira estão debruçados sobre os novos números das contas nacionais. Uma, que o PIB cresceu mais do que se pensava, mas a taxa de investimento caiu e isso pode comprometer o desempenho futuro do crescimento; outra, que com o mesmo estoque de capital e de trabalho foi possível chegar a uma performance mais robusta do PIB. Se isso decorreu de um aumento da produtividade do capital e do trabalho, muda o debate sobre PIB potencial. Até então calculado como algo em torno de 3,5%, o PIB potencial tende, assim, a ser maior, pois a economia brasileira pode crescer mais rapidamente sem gerar pressão inflacionária dado um ganho de produtividade.

Uma primeira impressão é de que o jogo de pressões sobre o BC para que este acelere a redução da taxa básica de juros vai diminuir, já que a política de juros elevados por longo tempo não produziu estragos tão grandes quanto se imaginou no produto. Este, sabe-se agora, cresceu 5,7% em 2004, 2,9% em 2005 e provavelmente entre 3,3% e 3,5% em 2006, e não o que IBGE mediu à época: 4,9% de crescimento em 2004, 2,3% em 2005 e 2,9% em 2006. O dado de 2006 do IBGE só será divulgado na semana que vem.

Economistas do Ministério da Fazenda, porém, acham que essa é apenas uma primeira impressão que está equivocada. Uma das razões é que o grau de desaceleração do nível de atividade econômica gerado pelo aumento dos juros básicos, pelo BC, foi maior do que se calculou originalmente. Entre a performance do PIB de 2004 e 2005, houve uma desaceleração de 2,8 pontos percentuais e não 2,6 p.p. como se pensava antes da revisão dos dados do PIB. Isso, adicionado à questão da produtividade, que implicaria na revisão do cálculo do produto potencial, pode levar o BC a rever também a trajetória de queda da taxa de juros, tornando-a mais rápida, avaliam esses técnicos.

Há, contudo, outra maneira de interpretar os dados do IBGE e sua repercussão na taxa de juros: a economia está mais aquecida do que imaginava o BC e, portanto, talvez seja o momento de pisar mais rapidamente no freio da queda dos juros. A Fazenda, com certeza, se alinha com a primeira alternativa.

-------------------------------------------------------------------------------- Governo vai rediscutir política fiscal e monetária --------------------------------------------------------------------------------

"Estamos todos com um bom pepino nas mãos. O Ministério da Fazenda vai ter que resolver qual a meta de superávit primário para este ano; e o Comitê de Política Monetária (Copom) terá que reavalizar a trajetória da taxa Selic. No balanço geral, a notícia é boa e acho que juros podem cair mais rápido porque a produtividade da economia brasileira é maior", sintetizou um graduado economista do governo.

Quando divulgou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o governo assumiu como meta de superávit primário os 4,25% do PIB, podendo deste ser abatido um gasto com investimentos nos Projetos Piloto de Investimento (PPIs) de até 0,5% do PIB. A meta de PPI corresponde a um investimento de R$ 11,3 bilhão este ano. Assim, a meta primária poderia ser de 3,75% do PIB. Os 4,25% do PIB correspondiam a R$ 95,5 bilhões dado o PIB imaginado à época da elaboração do programa. Como, agora, o PIB é superior, para se chegar à mesma meta de primário, de 4,25%, o governo teria que aumentar em cerca de R$ 9 bilhões o esforço fiscal. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que levará o problema ao presidente Lula que deverá decidir sobre o que fazer em uma semana.

Também aí as discussões são relevantes. Um argumento a favor de não aumentar o esforço fiscal é o de que, mesmo com superávit primário inferior ao que se pensava estar produzindo nos últimos anos, a relação dívida líquida do setor público/PIB caiu para 46,5% do PIB em 2005 e para cerca de 45% no ano passado. Ou seja, como o principal indicador de solvência, essa proporção, conforme o PAC, só seria obtida em 2008. Então, não haveria razões técnicas importantes para cortar mais cerca de R$ 9 bilhões do gastos públicos. Outra hipótese é assegurar a meta original mesmo com um PIB maior e assim, chegar a uma relação dívida/PIB mais próxima aos 35% em menos tempo. A favor dessa alternativa há o argumento de que o governo estaria antecipando as pré-condições para a promoção do país para grau de investimento.

O governo vai ter que revisar todas as projeções dos indicadores econômicos do PAC, inclusive a taxa de crescimento do PIB, que era estimada em 4,5% para este ano e 5% para os três anos subseqüentes, diante das novas informações: a economia cresceu mais e, ao que parece, é mais produtiva. Dependendo da atribuição de peso a cada um desses fatores, o governo será mais ou menos conservador nas políticas fiscal e monetária.

Serão discussões não só macroeconômicas, já que os técnicos do governo terão que rever todas as contas de despesas e receitas públicas como proporção do PIB e redefinir os objetivos. De pronto, asseguram, não se pretende mudar as metas nominais de gastos. Por exemplo, os investimentos públicos orçados no PAC para os próximos quatro anos são de R$ 67,4 bilhões. Essa foi uma cifra extraída de uma proporção do PIB. Como ela não será alterada, ficará uma sobra de recursos em relação ao produto que poderá ser usada, enfim, de várias maneiras, inclusive para a aumentar a desoneração de impostos do setor produtivo.

Diante desse novo cenário, pelo menos dois comportamentos devem ser evitados: o setor público achar que o país ficou mais rico e que, portanto, pode gastar mais; e o fisco entender que pode aumentar a carga tributária já que ela não correspondia, em 2005, a 37,4% e sim a 33,7% do PIB.

Claudia Safatle é diretora adjunta de redação e escreve às sextas-feiras

claudia.safatle@valor.com.br