Título: Vacina contra câncer de próstata é aposta da gaúcha FK
Autor: Bueno, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 23/02/2007, Empresas, p. B6

Criada pelo médico gaúcho Fernando Kreutz, de 39 anos, uma vacina terapêutica contra o câncer da próstata pode ser a esperança de cura para milhares de homens que sofrem com a doença e promete embalar o crescimento da FK Biotecnologia, de Porto Alegre. A empresa, fundada em 1999, começou a operar comercialmente em 2002 com um faturamento de apenas R$ 20 mil e já prevê negócios de mais de R$ 1,3 milhão neste ano, incluindo ainda o desenvolvimento de medicamentos para um grande laboratório nacional e as vendas de reagentes para diagnósticos clínicos e hospitalares.

Mas os números projetados para este ano podem se tornar irrisórios num futuro bem próximo se os planos do empresário com doutorado em biotecnologia pela universidade canadense de Alberta forem bem sucedidos. As vacinas, por exemplo, podem ser licenciadas para o Canadá e para a França e devem chegar a pelo menos 1 mil aplicações anuais em dois anos, prevê Kreutz. Só isso já garantiria uma receita de R$ 10 milhões por ano e a FK, que conta com 22 funcionários, está estudando procedimentos semelhantes para combater outros tipos de câncer.

Na linha de kits para diagnósticos, a meta é em cinco anos suprir 25% do mercado brasileiro de US$ 420 milhões por ano, com produtos para detectar doenças como leucemia, Aids, hepatites, dengue e leptospirose. Parte deles ainda está em desenvolvimento ou em validação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). "Cerca de 98% dos reagentes utilizados no Brasil são importados", explica o empresário. Por enquanto os produtos vêm sendo vendidos apenas para clínicas e hospitais privados e o próximo passo da FK é entrar nas grandes licitações do Ministério da Saúde.

A empresa também está desenvolvendo biosensores para análises de taxas de glicose no sangue, que movimentam outros US$ 27 milhões por ano no país; pesquisa o uso de nanopartículas magnéticas para aplicação de fármacos em tumores de difícil acesso; e negocia a produção de kits para testes rápidos de gravidez em parceria com outra grande farmacêutica brasileira. "Podemos produzir 1,2 milhão de unidades por mês nas instalações atuais, com um faturamento de R$ 2,50 por equipamento para a FK", afirma Kreutz.

O potencial de expansão da FK foi identificado já em 2000 por uma corretora da Merrill Lynch. Ela aportou US$ 20 mil como "angel investor" e hoje detém 1,75% da empresa, que opera em instalações da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) mediante pagamento de aluguel e royalties. No ano seguinte foi a vez da CRP Companhia de Participações investir mais R$ 625 mil por uma fatia de 22% do negócio. A próxima etapa será a abertura de capital, mas o prazo ainda não está definido.

"Não sei se o Brasil já está preparado para uma oferta pública inicial de ações de uma empresa como a FK, de faturamento ainda baixo e que trabalha muito em cima de expectativas", diz Kreutz, que trabalhava com desenvolvimento de uma vacina para câncer gástrico na empresa canadense de biotecnologia Altarex quando ela fez a própria oferta pública, em 1997, e levantou US$ 28 milhões. De qualquer forma, ele já começa a fazer os planos para a operação, com a qual pensa em captar até R$ 50 milhões.

Em 2004 e 2006 o empresário também teve dois projetos aprovados pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) do Ministério da Ciência e Tecnologia no valor de R$ 2,5 milhões, sendo um deles, de R$ 2,1 milhões, a fundo perdido. Agora ele está conversando com as fundações americanas Rockfeller e Bill&Melinda Gates, interessadas em financiar pesquisas na área de biotecnologia em países em desenvolvimento.

Responsável por boa parte do otimismo de Kreutz, a vacina terapêutica contra câncer foi reconhecida como procedimento (e não como medicamento) pela Anvisa porque é feita sob medida para cada cliente. O método, que será descrito em março na revista científica canadense "Journal of Pharmacy and Pharmaceutical Science", consiste na retirada de fragmentos do tumor (em hospitais escolhidos pelo paciente ou estabelecimentos conveniados em Porto Alegre, sempre sob orientação da FK), de onde são extraídas células que terão as características modificadas pela ativação de genes específicos.

Alteradas, as células tornam-se "visíveis" para o sistema imunológico humano e, depois de esterilizadas por radiação, são inoculadas no paciente com a finalidade de estimular a produção de linfócitos em quantidade suficiente para enfrentar a doença. Desde 2001 já foram coletadas 120 amostras de tumores, sendo mais de 80 delas de câncer de próstata, e um estudo controlado com 11 pacientes revelou um índice de "cura bioquímica" (quando o marcador tumoral PSA fica indetectável no sangue) de 36%.

"É um índice fabuloso", comenta, Kreutz, sem deixar de ressalvar que isto não significa que os pacientes não possam desenvolver novamente o tumor. Segundo ele, existem sete protocolos catalogados cientificamente para a produção de vacinas semelhantes, nos Estados Unidos e na Europa, e apenas dois têm taxa de cura superior aos 36%.

Outro filão considerado pelo empresário é o desenvolvimento de medicamento para terceiros. O contrato firmado com o primeiro laboratório, cujo nome não é revelado, pode render de US$ 7 milhões a US$ 9 milhões acumulados nos próximos cinco anos, incluindo remuneração para pesquisa e a "taxa de sucesso" para a produção de três fármacos a partir de culturas celulares, sem contar a posterior participação sobre as vendas sob a forma de royalties. Os produtos devem estar no mercado em quatro anos, depois de dois anos dedicados ao desenvolvimento e mais dois para registro.