Título: Operações urbanas opõem Haddad e Serra
Autor: Di Cunto, Raphael
Fonte: Valor Econômico, 24/10/2012, Política, p. A8

Ponte estaiada, feita com dinheiro da Operação Água Espraiada: uso dos recursos sempre privilegiou obras viárias

Ferramenta polêmica de intervenção nos bairros, as operações urbanas fazem quase 30 anos nesta eleição com resultados questionáveis na opinião de urbanistas, mas ainda no centro do debate sobre como "remodelar" as cidades. Em São Paulo, município brasileiro em que o instrumento está mais presente, os candidatos Fernando Haddad (PT) e José Serra (PSDB) divergem sobre a forma e local de utilização das operações urbanas.

Enquanto o tucano defende, no programa de governo, a manutenção das atuais operações e a realização de outras três, que já licitadas na atual gestão, de seu aliado Gilberto Kassab (PSD), o petista propõe um arco de desenvolvimento em torno das grandes avenidas que circulam a cidade, da zona leste à zona sul, e diz que as intervenções urbanas nessas regiões serão revistas com novas diretrizes.

A diferença de opiniões também reflete-se entre urbanistas. Com resultados controversos, as operações urbanas foram criadas em 1985, na gestão do ex-prefeito Mário Covas (PSDB), pelo então secretário de Planejamento Jorge Wilheim - que exerceu o mesmo cargo anos na administração da petista Marta Suplicy (2001 a 2004). No governo do tucano, a Secretaria de Planejamento pretendia levar as operações para 35 regiões.

Segundo Wilheim, o objetivo era estimular o desenvolvimento de regiões específicas com obras públicas usando recursos da própria iniciativa privada. Para isso, o principal instrumento é a chamada outorga onerosa do direito de construir - em que a prefeitura autoriza construções maiores do que as permitidas no plano diretor, mediante uma "indenização" em dinheiro que será investido em melhorias no bairro.

Esse instrumento é amplificado nos locais onde há operações urbanas. Ou seja, se o zoneamento de uma região permitia construir um prédio de metragem equivalente a, no máximo, uma vez o tamanho do terreno, o proprietário da área pode pagar a outorga onerosa para construir o dobro do terreno. Onde há operação urbana, esse tamanho máximo se multiplica para quatro vezes a metragem inicial.

Há também os Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepac), cujo estoque, em quantidade estabelecida por lei, é vendido em leilão pela prefeitura para empresas interessadas em construir mais do que o potencial de construção do terreno.

Os defensores das operações argumentam que este modelo permite que a cidade recebe uma compensação financeira, usada para investimentos. Por outro lado, os críticos dizem que, com a necessidade de pagar mais pela construção, os imóveis ficam mais caros e excluem os pobres.

"Operação urbana pode ser entendida como reforço da exclusão da cidade", afirma Nabil Bonduki, professor de Planejamento Urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP).

Vereador eleito pelo PT, Bonduki ajudou a elaborar o Plano Diretor na gestão Marta e acredita que os recursos não foram bem utilizados. "Arrecadou-se bilhões para ampliar avenidas, fazer pontes e agora construir um túnel, mas não pensaram na construção de habitações sociais", diz. "A prefeitura reinvestiu onde já é valorizado", critica.

Parte da má fama das operações urbanas decorre de sua aplicação pelo ex-prefeito Paulo Maluf (PP). Antes dele, a única experiência foi na gestão da ex-petista Luiza Erundina (1989 a 1992). Entretanto, a Operação Urbana Anhangabaú, que pretendia revitalizar o centro com novas moradias, teve uma arrecadação muito aquém do esperado e não teve fôlego para mudar a realidade do local.

Já Maluf criou a Operação Urbana Faria Lima, em área nobre da cidade, para prolongar e alargar a avenida que dá nome ao projeto. Também foram feitas melhorias, com recursos públicos - a operação urbana só virou lei em 2001-, na região da avenida Água Espraiada, que mudou de nome e virou avenida Jornalista Roberto Marinho. Na gestão Marta, a via ainda ganhou uma ponte estaiada com recursos da operação urbana.

"O investimento se reduziu a construção de avenidas para automóveis, que valorizam ainda mais a região das operações urbanas, mas beneficiam uma parcela pequena da população", diz o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Luiz Guilherme Rivera de Castro, que defendeu uma tese de doutorado sobre o tema.

Os dados da prefeitura mostram uma grande concentração de recursos das operações urbanas em áreas nobres, mas que o potencial delas para mudar regiões menos visadas pelo mercado imobiliário é bem menor. Enquanto a Água Espraiada arrecadou R$ 3,2 bilhões, e a Faria Lima, R$ 1,8 bilhão, a Água Branca obteve R$ 181 milhões desde 1995 e a Centro, R$ 36 milhões.

Na opinião de Castro, embora seja visível o desenvolvimento das regiões com grandes investimentos imobiliários, houve pouco retorno para a população em geral. "Os ganhos de áreas públicas, parques, novas habitações de interesse social e desafogamento do trânsito foram muito pequenos, quando não inexistentes", pontua.

Somam-se outros problemas na ampliação da avenida Água Espraiada. A obra, que custou quase R$ 800 milhões, tem suspeitas de superfaturamento. Segundo o Ministério Público e depoimentos à CPI do Banestado, que investigou a evasão de divisas, um dos que receberam propina foi o próprio Maluf, que este ano foi condenado em Jersey, paraíso fiscal do Reino Unido, pelo envio de dólares ao exterior.

O ex-prefeito também iniciou a expulsão de 12 mil pessoas da favela Jardim Edith, que existia desde a década de 1970, quando a área era pouco valorizada. Segundo o livro "Parceiros da Exclusão", da urbanista Mariana Fix, o processo de remoção destas famílias teve inúmeras irregularidades, que incluíram até o estímulo para que ocupassem áreas de manancial - o que deu origem ao Jardim Edith II, favela na borda da Represa Billings.

Por decisão judicial, a prefeitura está construindo, mais de dez anos depois da remoção das primeiras famílias, unidades habitacionais no lugar da favela. Serão feitos 240 apartamentos -até agora, o investimento foi de R$ 183 milhões, de acordo com o balanço financeiro do projeto.

Em outro exemplo de aplicação dos recursos de uma operação urbana - neste caso, da Faria Lima- em habitação de interesse social é a construção, ao custo de R$ 140 milhões, de 28 conjuntos habitacionais na favela Real Parque, vizinha de condomínios de luxo no bairro do Morumbi.

Wilheim acredita que, mesmo com erros de execução, as operações urbanas foram bem-sucedidas em modificar o perfil dos bairros. "Houve o redesenho das regiões, sempre teve algum resultado positivo", diz, ao citar a construção de avenidas. "As obras viárias não são supérfluas, também são necessárias."

Parece que esse é também o entendimento dos candidatos. Tanto Serra quanto Haddad pretendem levar adiante a construção do túnel que ligará a avenida Roberto Marinho à Rodovia dos Imigrantes, principal ligação com o porto de Santos - orçada em R$ 2,4 bilhões, a obra prevê também um parque linear e moradia para parte das quase 1,5 mil famílias desapropriadas.

Alvo de protestos e revolta dos moradores da região, o túnel consta dos programas de governo do tucano e do petista. Sem dar maiores detalhes, ambos comprometem-se com a construção como forma de criar nova via de acesso e valorizar a região.

Haddad e Serra também concordam na restrição a novas construções na Operação Urbana Faria Lima - atualmente, três dos quatro setores, na Faria Lima, Pinheiros e Olimpíadas, já esgotaram o estoque de potencial construtivo para prédios não residenciais. Estimulada pelo mercado imobiliário, a prefeitura tenta permissão para emitir novos Cepacs, mas a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regula o setor, não autorizou.

Serra disse ao Valor que ainda há muitas possibilidades de desenvolvimento imobiliário na região, dando como exemplo o potencial construtivo ocioso para prédios não residenciais no setor Hélio Pelegrino e os estoques para moradia em todos os setores.

Haddad, que também não cita o problema em seu programa de governo, não respondeu ao questionamento do Valor. Ao explicar o "Arco do Futuro" em debate anteontem, o petista sinalizou que irá proibir a construção "onde não cabe mais". "Não podemos liberar potencial construtivo em quarteirões onde não cabem mais empreendimentos ou a cidade vai entrar em colapso."

No arco formado pelas avenidas Cupecê, as Marginais Pinheiros e Tietê e a avenida Jacu-Pêssego, regiões onde há, em geral, adensamento relativamente baixo, pouco emprego e fácil acesso a outras cidades da região metropolitana, Haddad quer construir novos polos de desenvolvimento para descentralizar a cidade.

O plano é investir em infraestrutura, como escolas, unidades de saúde e transporte público, para atrair empresas para a região do arco. Também haverá redução do Imposto Sobre Serviços (ISS) de 5% para 2%, isenção de IPTU e da outorga onerosa do direito de construir - ou seja, os prédios não residenciais não precisarão pagar a compensação financeira para construir acima do zoneamento.

Com os novos empregos, a ideia é adensar essas regiões para diminuir a distância entre a casa e o trabalho. O petista não explica, porém, o que pretende para as operações urbanas em planejamento e existentes - disse apenas que quer revisá-las "com novas diretrizes".

Já Serra planeja continuar as operações em andamento no atual governo, aproveitando a infraestrutura já existente e sistema de transporte público, como as linhas de trem, das Operações Lapa - Brás, Água Branca e Mooca - Vila Carioca. Nelas, o objetivo é reaproveitar os antigos galpões industriais hoje desocupados para erguer novos prédios residenciais e empresariais.

O tucano também diz que fará projetos iniciados por Kassab, mas que não serão concluídos até dezembro. Nesse sentido, promete terminar a revitalização do Largo da Batata, o terminal de ônibus e a construção de conjuntos habitacionais no Real Parque, na Operação Urbana Faria Lima.

Já na região da Jacu Pêssego, na Zona Leste, o projeto é "incrementar a atividade econômica e promover a requalificação ambiental e social da área, por meio do aumento de parques, da melhoria do sistema de drenagem e do incentivo à construção de habitações de interesse social".