Título: Uso do FGTS causa polêmica no Congresso
Autor: Safatle, Claudia
Fonte: Valor Econômico, 01/03/2007, Política, p. A12

Cresce, no Congresso, a polêmica em torno da Medida Provisória 349, que autoriza a transferência de R$ 5 bilhões do patrimônio líquido do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para um fundo de investimento destinado a projetos de infra-estrutura. Ontem o senador Francisco Dornelles (PP-RJ), em pronunciamento no plenário daquela Casa, argumentou que não vê a menor necessidade de ser criado um fundo com esse objetivo, embora não seja contrário ao uso dos recursos do fundo em obras de infra-estrutura.

"Entendo que esse investimento deveria seguir a mesma sistemática existente para os investimentos em habitação e saneamento. O Conselho Curador do FGTS fixaria periodicamente um montante de recursos a ser aplicado em infra-estrutura, e, tais financiamentos seriam concedidos diretamente pela Caixa Econômica Federal". Assim, assinalou o senador, o risco do investimento em infra-estrutura seria da CEF, a quem caberia avaliar a pertinência, a qualidade do projeto e a capacidade de pagamento do credor.

A forma sugerida por Dornelles é exatamente a mesma aplicada hoje ao Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT). Este empresta ao BNDES que usa os recursos para conceder financiamentos à projetos de infra-estrutura, assumindo integralmente o risco da operação. "Se o BNDES fizer um mau negócio, ele é que arca com os prejuízos. O FAT, ou melhor, o patrimônio do conjunto dos trabalhadores não está em jogo", disse. " Acho a criação do Fundo de Investimento um precedente perigoso e desnecessário", concluiu.

Há ainda um outro detalhe "obscuro" na MP 349, segundo Dornelles. Este se refere à apropriação da remuneração dos recursos do Fundo de Infra-estrutura enquanto não forem concretizados os investimentos. "Eles serão apropriados pela CEF como receita própria, ou serão entregues ao Fundo de Investimento da Infra-estrutura e/ou ao FGTS?", indaga. Atualmente os recursos do FGTS depositados na CEF, enquanto não são aplicados em projetos de habitação e saneamento, são investidos em títulos de Tesouro e sua remuneração, com base na Selic, pertence ao FGTS. A MP é omissa nessa questão e o senador, que foi ministro do Trabalho no governo passado, sugere que esses recursos sejam alocados ao FGTS e não contabilizados como capital próprio da CEF.

A MP autoriza, a critério do Conselho Curador, a aplicação de até 80% do patrimônio líquido que o FGTS contabilizava em dezembro de 2006 no Fundo de Investimento, o que corresponderia à cerca de R$ 16,7 bilhões. A questão é saber quando de fato soma o patrimônio do fundo de garantia, considerando o passivo diferido referende ao pagamento dos expurgos de planos de estabilização do passado.

O senador César Borges (PFL-BA) já fez requerimento à mesa da Casa solicitando que o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, preste informações sobre as contas do FGTS de 2006, já que os últimos dados conhecidos sobre as demonstrações financeiras do fundo se referem ao ano de 2005 e foram divulgados somente em outubro do ano passado. Por essas informações, enquanto o patrimônio líquido do FGTS somava cerca de R$ 19,8 bilhões, o passivo a ser diferido nos próximos anos ainda seria de cerca de R$ 31 bilhões. Segundo dados preliminares de 2006, o patrimônio somaria R$ 21,1 bilhão e o passivo, cerca de R$ 29 bilhões.

A Lei Complementar nº 110, de 2001, que homologou o acordo permitindo que aproximadamente 32 milhões de trabalhadores que a ele aderissem recebesse R$ 40 bilhões, definiu um prazo de 15 anos para essa contabilização. Mesmo a Caixa tendo acelerado essa amortização para 11 anos, conforme consta do balanço do FGTS de 2005, ainda faltariam seis anos para esse montante ser totalmente contabilizado e, portanto, para o patrimônio líquido do fundo de garantia "ser, de fato, real", pondera Dornelles, na mesma linha de preocupação de César Borges quanto à efetiva existência de recursos disponíveis no FGTS.