Título: Mercado chinês é ator principal
Autor: Pesek, William
Fonte: Valor Econômico, 01/03/2007, Opinião, p. A19

Se há algo de surpreendente no despencar das ações nas bolsas chinesas nesta semana é que alguém tenha ficado surpreso com isso. Pode-se discutir se a alta nas bolsas chinesas nos últimos anos constitui uma bolha ou, pura e simplesmente, um esquema de "pirâmide" financeira fraudulenta. O que não se discute é se as bolsas na segunda maior economia asiática têm mais em comum com cassinos do que com mercados financeiros. Os investidores do time que perdeu dinheiro nesta semana deviam saber que o choque estava a caminho.

A verdadeira incógnita é se os acontecimentos na China são um prenúncio de crescente turbulência nos mercados mundiais ou apenas uma repetição do maio de 2006, quando os mercados emergentes despencaram antes de uma recuperação.

A primeira alternativa pode ser a verdadeira. Não se trata de ser profeta do Apocalipse ou um cínico, é apenas a admissão de que condições semelhantes a uma bolha estão pipocando em mercados de Xangai a Istambul a Nova Déli e em outros países.

Marc Chandler, diretor de estratégia cambial da Brown Brothers Harriman & Co., em Nova York, não exagerou ao qualificar a queda mundial de terça de "banho de sangue nos mercados acionários".

É impossível exagerar as participações chinesa e japonesa na equação. A China precisa ser examinada, porque há exagero, mas também potencial concreto, nas perspectivas sugeridas; e o Japão, devido à bolha mundial provocada pelo denominado "carry trade" baseado no iene.

Primeiro, a perspectiva chinesa. "A própria China está alimentando interesse nos mercados emergentes", diz Joseph Quinlan, estrategista-chefe de mercados do Bank of America Capital Management, em Nova York. Isso é particularmente verdadeiro no que se refere aos investidores americanos. Nos últimos dois anos, diz Quinlan, os investidores americanos enterraram pouco mais de US$ 10 bilhões em ações chinesas. O mergulho de 9,2% no Índice Xangai e Xenzhen 300, na terça-feira, aconteceu num momento em que os investidores americanos nunca estiveram mais expostos aos mercados emergentes.

Em 2006, diz Quinlan, os americanos compraram um recorde equivalente a US$ 52,7 bilhões em mercados emergentes. Isso veio na esteira de um recorde de compra de ações de quase US$ 39 bilhões em 2005. Em 2006, as compras americanas de ações chinesas saltaram de US$ 4,9 bilhões em 2005 para US$ 5,2 bilhões. Isso significa que, em termos relativos, a China se converteu no mais importante mercado emergente para os EUA. "Em grande medida, o desempenho chinês determina retornos obtidos pelo investidor do país nos mercados emergentes", diz Quinlan.

E é essa questão: os mercados mais desenvolvidos do mundo estão mais vulneráveis do que nunca às políticas das autoridades em Pequim, das agências competentes em Xangai e das companhias em todo o país mais populoso do mundo. Sim, a China tem um enorme potencial. A economia chinesa está crescendo mais de 10% ao ano, acumula US$ 1 trilhão em reservas monetárias e abriga 1,3 bilhão de pessoas, muitas delas cada dia mais ricas.

-------------------------------------------------------------------------------- Alarde em torno da turbulência chinesa poderá dar uma grande contribuição no sentido de conter a especulação por parte dos investidores estrangeiros --------------------------------------------------------------------------------

Mas a China também tem um sistema bancário que continua sendo um mecanismo de transmissão que canaliza dinheiro para empresas com bons contatos políticos, tem pouca transparência, que tolhe quase inteiramente a liberdade de imprensa e tem um banco central que se reporta ao Partido Comunista. A liderança chinesa censura a internet, inviabilizando inovações numa economia que necessita muito delas. Os chineses defrontam-se com agravamento da poluição e riscos generalizados de turbulência social.

Então, bem-vindos ao admirável mundo novo do sistema financeiro mundial, um mundo no qual soluços em Xangai cada vez mais abalarão os mercados em todo o mundo e levantarão questões espinhosas sobre quão estável é realmente a quarta maior economia. O mercado acionário chinês não é mais ator secundário, mas sim uma estrela de primeira grandeza.

Por seu turno, o Japão continua, essencialmente, oferecendo dinheiro de graça para qualquer investidor que queira tomar emprestado em ienes e aplicar esse dinheiro em ativos de maior risco em outros países - o assim chamado "carry trade". Grande parte do pânico de vendas na esteira do colapso da terça-feira implicou desfazer deles. Afinal de contas, grande parte dos empréstimos tomados em ienes foram investidos no mercado imobiliário de Xangai e em ações nas bolsas chinesas.

Os empréstimos tomados em ienes foram para bem longe de suas origem, investidos numa ampla diversidade de ativos - de imóveis em Bombaim a ações da Google Inc., em títulos do Tesouro de Zâmbia, no baht tailandês, em bônus municipais americanos, barras de ouro e dívida empresarial sul-africana. Um êxodo em massa dessas aplicações levaria o sistema financeiro mundial a um colapso.

A relutância do Banco do Japão em elevar sua taxa básica de juros para acima de 0,5% provocou pouco senso de urgência para os investidores repensarem seus "carry trades". Mas, nesta semana, os acontecimentos na China criaram essa urgência.

Nada disso diminui a importância da longamente aguardada - e agora em andamento - recuperação econômica japonesa. "O Japão deveria estar nas tela dos radares dos investidores mais de que está", disse-me, recentemente, em Tóquio, John Ryding, principal economista especializado em EUA no Bear Stearns & Co. E ele tem razão. O único problema é que grande parte da liqüidez que poderia estar sendo aplicada em ativos japoneses está em disparada pelo exterior, em busca de maiores retornos. O resultado é uma imprevisível bolha de liqüidez que deixou o sistema financeiro mundial mais frágil do que os financistas gostam de admitir.

A história mostra que o "carry trade" pode produzir cenários indesejáveis - extremamente indesejáveis. Como, no fim de 1998, o default da dívida russa acelerou a implosão da Long-Term Capital Management LP e gerou pânico nos mercados. Ao reduzir suas posições, os investidores provocaram uma alta de 20% do iene em menos de dois meses.

Além das incertezas criadas pelo "carry trade", a economia chinesa continua esquentando, apesar do que as autoridades em Pequim vêm fazendo para esfriá-la. Ficamos imaginando se o mercado acionário em Xangai fará isso por elas; o alarde em torno da turbulência chinesa poderá dar uma grande contribuição no sentido de conter a especulação por parte dos investidores estrangeiros.

O que farão os investidores locais é outra história. Se o passado pode nos servir de guia, as quedas das ações serão encaradas como uma oportunidade de compra pelas crescentes legiões de "day traders" (investidores que compram e vendem papéis em um mesmo dia) chineses. Esperemos que os investidores estrangeiros assumam uma postura mais realista.