Título: EUA querem que Brasil ajude na segurança
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 01/03/2007, Especial, p. A20

Mesmo preocupado com as compras de material bélico pela Venezuela, o presidente George Bush, que visitará o Brasil na próxima semana, quer chamar a atenção para a "agenda positiva" que acredita ser capaz de criar com parceiros no continente, afirma o embaixador dos EUA no Brasil, Clifford Sobel. Bush pedirá ao Brasil parceria para garantir a estabilidade no continente e vê no acordo de cooperação em biocombustíveis um importante ponto de apoio para ações bilaterais promovidas pelos dois governos na região.

Segundo Sobel, é possível uma atuação conjunta do Brasil e dos EUA em matéria de segurança no continente. O Brasil, que lidera as forças de paz da ONU lideradas por brasileiros no Haiti, tem discutido maior ajuda àquele país. No esforço para chamar atenção para essa "agenda positiva", o presidente americano fez questão de ter encontros com brasileiros responsáveis por programas de responsabilidade social, que têm apoio dos Estados Unidos.

Sobel nega que esteja em formação uma espécie de Opep do etanol, como se chegou a especular, e afirma não ver na agenda de Bush previsão de nenhuma nova negociação comercial, como deseja o Uruguai, próxima etapa da viagem do presidente americano. EUA e Brasil devem se concentrar nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC), defende. A seguir, a entrevista do embaixador.

Valor: Quais são, de fato, os principais assuntos da visita do presidente George Bush ao Brasil?

Clifford Sobel: Este é mais um encontro entre nossos dois presidentes, não é a primeira vez nem será a última. Como é bem sabido, ambos têm um relacionamento muito bom, têm se encontrado repetidamente. Há assuntos que eles discutiram e certamente estarão na agenda, como biocombustíveis. Falarão também sobre cooperação hemisférica (no continente americano), propriedade hemisférica, estabilidade regional (o Brasil tem tropas no Haiti, lidera as forças de paz das Nações Unidas). Falarão também da rodada de negociações comerciais na OMC e no comércio. Esperamos a presença de nossa representante comercial, Susan Schwab, com o presidente.

Valor: Que outros temas estarão em pauta?

Sobel: Deixe-me dizer uma coisa importante: nessa viagem o presidente expressou o desejo de despender tempo com brasileiros, estamos procurando membros ativos da comunidade americana aqui, com programas de responsabilidade social, e esperamos que ele encontre muitos brasileiros envolvidos em trabalhos com jovens que possam estar em situação de risco, queremos que ele conheça alguns programas muito importantes e bem-sucedidos que lidam com treinamento vocacional, lidando com jovens carentes. Isso será uma parte muito importante da visita do presidente Bush.

Valor: Os Estados Unidos pretendem reforçar esses programas, para mostrar seu engajamento com eles na América Latina?

Sobel: Os Estados Unidos estão sempre engajados em promover esse tipo de programa. No primeiro mandato do presidente Bush, os programas de ajuda no hemisfério ocidental eram menos de US$ 1 bilhão e agora são 50% maiores que isso. O crescimento beneficiou programas como o Millenium Challenge Cooperation, com direto envolvimento de ONGs. Procuramos sempre oportunidades de trabalhar juntos. Estamos aqui para trabalhar com o Brasil.

Valor: Em seus contatos no Brasil, o senhor tem notado alguma espécie de anti-americanismo, que se costuma apontar no governo, ou em partes da sociedade brasileira?

Sobel: Não. EUA e Brasil tem um relacionamento muito bom. A questão é fazê-lo melhor. Por isso é tão importante termos nossos presidentes juntos, para discutir como melhorar o relacionamento bilateral, que é bom.

Valor: Que tipo de parcerias os Estados Unidos esperam do Brasil, em matéria de segurança regional?

Sobel: Todos temos os mesmos desejos, dentro do hemisfério e no globo. Queremos ver um mundo mais seguro para nossos cidadãos. Estamos sempre explorando meios de trabalhar mais estreitamente ligados. O Brasil, como os Estados Unidos, é um país que provê segurança, em oposição a países que precisam receber esse benefício de outros. Mencionei o Haiti. O Brasil também atuou no Timor, também tem garantido segurança a outros países, com muitos de seus vizinhos e parceiros no hemisfério. Portanto, quando olhamos para a necessidade de oferecer segurança em áreas muito turbulentas, é natural incluir essas áreas em parte da agenda. Mas estamos trabalhando em uma lista? Não.

Valor: Os senhores incluem nessas preocupações na agenda dos dois presidentes o risco de uma corrida armamentista devido às compras de armas da Venezuela?

Sobel: Os presidentes vão decidir os asuntos sobre os quais conversarão. A questão importante é que estamos preocupados com o aumento no estoque de armas e o tipo de armas que vem sendo compradas. Pedimos à Espanha e outros países para não fornecer 'know how' americano, armas americanas à Venezuela. Nos preocuparemos com qualquer país que aumente dramaticamente suas compras. Não sou o embaixador na Venezuela, não sou eu quem deve falar sobre isso, mas evidentemente estamos preocupados com a estabilidade regional e com qualquer país que adquira o tipo de armas que a Venezuela vem adquirindo.

Valor: Que tipo de iniciativas conjuntas concretas podem ser feitas pelo Brasil e os EUA em matéria de segurança regional?

Sobel: Como disse, nesse hemisfério cooperamos e trabalhamos juntos no Haiti. Graças a Deus hoje não precisamos cooperar em nenhum outro país na América do Sul. Esperamos que a estabilidade e segurança regional no continente permaneçam.

Valor: Qual é o papel do presidente Lula nesse assunto?

Sobel: O Brasil é o maior país na América do Sul, é respeitado pelos vizinhos, pela comunidade global, portanto é um parceiro não só na questão da estabilidade regional, mas também na estabilidade global.

Valor: O Brasil não está perdendo influência, a julgar pelos atritos com a Bolívia e a crise no Mercosul?

-------------------------------------------------------------------------------- O presidente Bush ouvirá o presidente Lula sobre comércio e investimento e terá a mesma conversa nos outros países " --------------------------------------------------------------------------------

Sobel: O Brasil é muito respeitado pelos vizinhos, sua liderança no G-20 fala por si mesma, o fato de que Susan Schwab tem freqüentes conversas com o ministro de Relações Exteriores (Celso Amorim) sobre assuntos de comércio só reforça essa liderança. Em nossa perspectiva, é um parceiro na tentativa de êxito com a Rodada Doha, de negociações comerciais na OMC. É muito interessante: quando o subsecretário de Estado Nicholas Burns esteve aqui, falou sobre como os Estados Unidos foram muito focados, até o ano passado, na Europa, e que os EUA, hoje, não são só focados na Europa, mas em se aproximar dos poderes emergentes mundiais, as Chinas, Índias e Brasis do mundo.

Valor: E o que significa isso?

Sobel: Burns sublinhou a importância do Brasil e como a viagem dele até aqui era um reconhecimento da importância crescente do país em muitos temas, como comércio. Estabelecer pontos de apoio (building blocks) para parcerias mais estreitas, como biocombustíveis, será um elemento muito importante no relacionamento bilateral.

Valor: Nessa questão dos biocombustíveis, os Estados Unidos pensam em criar com o Brasil uma espécie de Opep do etanol?

Sobel: Ouvi essa especulação. A resposta é não. Esperamos construir um mercado aberto para o que acreditamos ser uma nova e transformadora commodity de energia. Acreditamos que biocombustíveis são transformadores, permitem a muitos países que, hoje, não têm recursos energéticos, desenvolvê-los e reduzir a dependência de importações e petróleo e outras fontes energéticas, como gás. O acordo que estamos negociando inclui o desenvolvimento de padrões regulatórios para biocombustíveis, para que possam se tornar, de fato, uma commodity internacional. Em segundo lugar, vamos trabalhar com o Brasil nas áreas de pesquisa e desenvolvimento, e finalmente, discutiremos como trabalhar juntos, Brasil e EUA, que detêm mais de 70% da produção de biocombustível, para que outros países desenvolvam sua própria capacidade e até, eventualmente exportar. Não vai ser um encontro único, é uma parceria e cooperação contínua.

Valor: Nessa discussão entre presidentes haverá algum anúncio de medidas concretas, além da manifestação do compromisso com a cooperação?

Sobel: Estamos fazendo anúncios continuamente, nos últimos meses têm havido encontros constantes. Ontem (terça-feira) assinei uma declaração conjunta sobre o primeiro encontro de nossa comissão conjunta de cooperação em Ciência e Tecnologia, que inclui parceiras em satélites climáticos, saúde, uma longa agenda, que inclui uma referência específica aos biocombustíveis e ao desenvolvimento de padrões e ambiente regulatório para esses combustíveis. Esse encontro não será a última vez em que os presidentes falam do assunto, o tema é permanente, e ganhará profundidade e abrangência. É um produto muito recente, só agora estamos vendo produção de escala. O ponto importante é que nos concentremos cada vez mais em como cooperar e como a prosperidade mútua é importante para ambos. Do ponto de vista empresarial, o Brasil está investindo como nunca internacionalmente e também nos Estados Unidos, onde o Brasil hoje em dia investe 300% mais do que há apenas dois anos. Isso é bom porque o crescimento nos negócios nos EUA é agora bom para o Brasil e vice-versa.

Valor: A falta de um acordo para proteção de investimentos para empresas americanas no Brasil é um dos temas na viagem?

Sobel: Compreendo que o Brasil não é o Chile, e o Chile não é Brasil. Mas o Chile tem aumentado seu comércio muito significativamente, com o aumento dos acordos comerciais com outros países. Estamos sempre buscando formas de aumentar o comércio. Se o Brasil quiser, naturalmente estaremos interessados em discutir um acordo bilateral de investimentos, mas não está em nossa agenda, mas sempre cogitaríamos essa perspectiva, se o Brasil quisesse.

Valor: Por que o Brasil não consegue aumentar suas exportações aos Estados Unidos, quais são os obstáculos que hoje impedem o país de crescer no mercado americano?

Sobel: Na verdade, têm crescido as vendas aos EUA.

Valor: Mas o país permanece com uma parte muito pequena do mercado.

Sobel: O comércio do Brasil com os Estados Unidos tem crescido, mas é fácil criar grandes percentagens de crescimento quando começa de uma base muito pequena. Hoje, os Estados Unidos, como país, é o maior parceiro comercial do Brasil. Saímos de uma base muito significativa. Não se pode esperar um enorme crescimento percentual, mas todo aumento em percentagem é um grande crescimento. O relacionamento, inclusive o de comércio é bom, a oportunidade que se abre é como melhorá-lo.

Valor: O setor privado e ex-diplomatas reclamam da falta de engajamento do governo nesse esforço. O que o senhor acha disso?

Sobel: Estamos sempre buscando maneiras de melhorar nosso contínuo diálogo entre o ministro (do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan) e nosso secretário de Comércio, Carlos Gutierrez. Há quatro grupos de trabalho, tratando de proteção à propriedade intelectual, comércio bilateral, padrões técnicos, facilitação de comércio. As discussões têm sido muito efetivas, em reduzir a burocracia, em alguns casos, no transporte de mercadorias, e em lidar com disputas comerciais. Mas hoje, nosso foco, como o do Brasil, é na conclusão bem-sucedida da rodada de liberalização comercial, a Rodada Doha, na OMC. Li com grande interesse o relato do embaixador Patriota, que ouviu do presidente Bush: o momento é agora, não este ano, para avançar nas negociações.

Valor: O que pode ser feito agora para garantir o sucesso das negociações? Os subsídios agrícolas dos Estados Unidos continuam um problema na Rodada Doha. Susan Schwab pode trazer ao Brasil alguma boa notícia em relação a isso?

Sobel: Sempre estamos buscando oportunidades nesse tema muito complexo. Meios de baixar barreiras, tarifas, subsídios, seja na Europa, nos Estados Unidos, no mundo em desenvolvimento, no G-20. É importante notar que, desde a reunião do Fórum Econômico Mundial, em Davos, nos tornamos mais ativos em nossas discussões. O Brasil é um importante ator, como demonstram os encontros de Susan Schwab com o governo brasileiro. O presidente Bush já afirmou que, se outros países eliminarem seus subsídios, nós eliminaremos os nossos. Disse que não estamos apresentando nossa proposta final, que seremos flexíveis. Não temos uma posição fixa. Estamos esperando a resposta de nossos parceiros comerciais.

Valor: Há preocupação no Brasil em relação a um possível acordo de livre comércio entre Estados Unidos e Uruguai. Quais as intenções americanas em relação ao parceiro do Brasil no Mercosul?

Sobel: A viagem do presidente à América Latina inclui Brasil, Uruguai, Colômbia, Guatemala e México. O presidente está muito focado em ressaltar o que temos em jogo na América Latina, aumentar a prosperidade da região. Não tenho conhecimento de nenhum novo acordo em discussão. Estamos sempre abertos a ouvir nossos parceiros comerciais e a criar um ambiente o mais favorável possível para a redução de barreiras ao comércio. Há poucos meses, o Uruguai firmou um acordo de investimento com os EUA e os comentários do presidente Lula foram muito claros que isso não quebraria as normas do Mercosul. O presidente Bush ouvirá o que o presidente Lula tem a dizer sobre comércio e investimento e terá o mesmo tipo de conversa nos outros países.

Valor: A viagem de Bush está sendo interpretada como espécie de mensagem à Venezuela. Os Estados Unidos acreditam que Lula pode conter a influência de Chávez no continente?

Sobel: Muitos países no hemisfério estão preocupados em manter a estabilidade no continente. Estamos atentos em relação à Venezuela minar as bases da democracia, estamos preocupados em relação às reações dos investidores, no que diz respeito a seus investimentos não só na Venezuela, mas em todo o continente sul-americano. Mas o presidente Bush está focado em trabalhar com nossos amigos. Não estamos preocupados com a Venezuela. Queremos construir uma agenda positiva com os países que queiram trabalhar conosco e não usar nosso tempo concentrando-nos sobre o que fazer com a Venezuela. Como disse o subsecretário Burns: estamos atentos às políticas fracassadas do passado, nas quais a Venezuela está se engajando, mas estamos muito concentrados em construir uma agenda positiva com os países que querem trabalhar conosco.