Título: Mulheres sobem, ainda com limites
Autor: Félix, Jorge
Fonte: Valor Econômico, 01/03/2007, EU &, p. D6

A crescente projeção de mulheres no mundo político, há quem diga, poderá incluir uma candidatura feminina à Presidência da República em 2010. Seria uma réplica do que vem acontecendo no exterior. Nos Estados Unidos, a senadora democrata Hillary Clinton aparece com vantagem nas prévias do partido e também no embate com os principais concorrentes republicanos. Na França, a socialista Ségolène Royal disputa palmo a palmo com seu adversário, Nicolas Sarkozy, atual ministro do Interior. Aqui ao lado, na Argentina, a senadora Cristina Kirchner está na frente na corrida e pode substituir o marido, o presidente Néstor Kirchner. A Alemanha já é governada por Angela Merkel e o Chile, por Michelle Bachelet.

Mas há também a realidade local. Nos maiores partidos brasileiros, alguns nomes com chances são de mulheres, como o da ex-prefeita Marta Suplicy ou da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef. No PSDB, desponta a governadora gaúcha Yeda Crusius. Se chegar ao cargo máximo da administração pública, então, uma mulher estaria representando a ascensão do poder feminino na gestão da máquina governamental?

Mesmo que o principal gabinete do terceiro andar do Palácio do Planalto seja privativo de alguém que vista saias, a burocracia por toda a Esplanada dos Ministérios ainda usa, predominantemente, gravata, sobretudo em funções de gerenciamento.

As causas da desvantagem feminina são históricas, sociais e econômicas. Mas a professora Tânia Fontenelle-Mourão, da Universidade de Brasília (UnB), decidiu medir de forma acadêmica o tamanho do poder feminino nos gabinetes federais e, mais, qualificá-lo, estabelecendo as diferenças com a gestão masculina - do ponto de vista das chefas e dos subordinados. O resultado está no livro "Mulheres no Topo da Carreira" (editado pela Secretaria Especial de Política para Mulheres), texto de sua dissertação de mestrado em psicologia social e do trabalho na UnB.

Os percentuais surpreendem. As mulheres são 41,4% da população economicamente ativa, e são maioria no serviço público, mas ocupam menos de 20% dos cargos no topo da hierarquia federal. No caso dos DAS (cargos de "direção e assessoramento superiores"), é assim: no DAS 1 há 49% de mulheres para 51% de homens; no DAS 2, 44% e 56%; no DAS 3, 40% e 60%: no DAS 4, 30% e 70%; no DAS 5, 21% e 79%; no DAS 6, 19% e 81%.

"Mesmo as mulheres demonstrando que são muito competentes e têm toda condição de assumir cargos maiores, elas não são escolhidas", afirma Tânia, depois de ter ouvido 7 mulheres gerentes e 146 integrantes de equipes chefiadas por mulheres. "Os homens escolhem homens e muitas vezes as poucas mulheres que alcançam tais postos não convidam outra mulher", completa. O estudo constatou ainda um maior nível de escolaridade das mulheres no serviço público federal. Ou seja, o conhecimento maior pesa menos na hora das indicações a cargos de confiança.

Segundo os subordinados, as chefas são mais flexíveis, organizadas e persistentes. Outra qualidade bastante citada é o perfeccionismo. Mas, de acordo com Tânia, isso explica a falta de espaço para as mulheres nos postos de comando: elas têm dificuldade para "aprender-fazendo", ao contrário do que acontece com os homens.

A autoconfiança, no caso da mulher, é fruto de conhecimento adquirido. "Elas até podem ser convidadas [para chefiar], mas nunca se sentem preparadas para assumir o desafio, acreditando que necessitam de mais cursos ou tempo de aperfeiçoamento profissional", observa a professora da UnB. Homens se sentirão menos inibidos para assumir esse risco.

As gerentes relataram que não basta ser eficiente e eficaz. É necessário agregar outros valores para obter resultados melhores de suas equipes. A flexibilidade é apontada como uma característica positiva. "Elas sabem que não adianta apertar somente a corda. Trazem seus mecanismos de solucionar os problemas domésticos [com] a educação dos filhos, as múltiplas tarefas e a sabedoria de conciliar todos os afazeres", analisa Tânia.

Na interpretação de Tânia, muitas vezes a inferioridade hierárquica das mulheres no serviço público e sua ainda pouca presença no universo político são resultado da freqüência com que fazem a opção por estarem mais próximas dos filhos ou por que preferem preservar a qualidade de vida. São situações, porém, que também refletem, quase certamente, a imposição de um espaço que a sociedade reservou para a mulher. "Historicamente, o feminino sempre foi identificado com alguém que 'está por trás', usando suas habilidades para viabilizar que o outro brilhe." Isso pode estar mudando, com uma revisão de papéis sociais que vai chegando ao Brasil.

"Mulheres no Topo da Carreira" - Tânia Fontenelle-Mourão. Editado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres