Título: Google faz uma busca em si mesmo
Autor: Saraiva, Jacílio
Fonte: Valor Econômico, 08/02/2007, EU & Investimentos, p. D6

Superlativos caem bem na história do Google. Nenhuma empresa de tecnologia no mundo conseguiu atingir níveis de sucesso tão surpreendentes em pouquíssimo tempo. Fundada em 1998, ganhou US$ 7 milhões de lucro nos primeiros três anos e acaba de encerrar 2006 com US$ 3 bilhões em receitas.

Seus fundadores, Sergey Brin e Larry Page, hoje com 33 anos, ficaram bilionários antes dos 30. As ações da companhia, que se tornou pública em 2004, saltaram de um valor inicial único de US$ 85 para US$ 300, em menos de 12 meses. E a marca Google hoje vale mais do que os logos da Disney e do McDonald´s.

Se você usar a própria ferramenta de buscas do Google, vai descobrir que a empresa sediada em Mountain View, na Califórnia, acaba de ser considerada pela revista americana "Fortune" como o melhor lugar para trabalhar nos EUA. Mas de onde veio tanta chuva em uma horta só?

Parte da resposta está no livro "Google - A História do Negócio de Mídia e Tecnologia de Maior Sucesso dos Nossos Tempos", livro dos jornalistas americanos David A.Vise e Mark Malseed, que acaba de ser lançado no Brasil. A dupla confessa que espremeu o site de pesquisa à exaustão para coletar informações sobre esse fenômeno corporativo, ainda não imitado em nenhum setor da economia mundial.

No entanto, o que mais chama a atenção na trajetória dos criadores do Google é que eles não pensavam que iam ganhar tanto dinheiro: Sergey Brin e Larry Page eram "nerds" de carteirinha e conseguiram transformar um projeto de pesquisa acadêmica em um negócio bilionário, em apenas cinco anos. A idéia de criar uma ferramenta de pesquisa na internet nasceu quando os dois faziam doutorado em ciência da computação, na Universidade de Stanford, na Califórnia.

Diz a lenda - e o livro de Vise e Malseed confirma - que as semelhanças na vida pessoal dos dois sócios ajudaram a selar o unicórnio que tocou a empresa para frente. Os dois têm a mesma idade. Adoram matemática e foram educados em escolas montessorianas. Ambos são filhos de professores universitários - da área de exatas - e usurpavam os computadores dos pais sempre que podiam.

Brin, que emigrou da Rússia aos seis anos, já tinha um canudo de ciências da computação aos 19 anos, enquanto o adolescente Page construiu uma impressora com peças de lego - que funcionava! Quando receberam os primeiros US$ 100 mil para colocar a empresa que criaram de pé, ainda não tinham uma conta bancária.

Mas o sucesso não chega por acaso - nem para personagens de sagas ianques. As oportunidades do mercado sopraram a favor do Google na hora certa. No fim dos anos 1990, a AltaVista era a ferramenta de busca mais conhecida na época, mas já não parecia ser a melhor coisa do mundo. Quando o Google chegou - sem publicidade ou marketing, outra marca da empresa até hoje - o AltaVista virou pó.

Os dois jovens empresários também receberam apoio incondicional da universidade onde estudavam e esse respaldo ajudou a levantar US$ 25 milhões em empresas de capital de risco, interessadas em lucros futuros. Só faltava o essencial. Como ganhar dinheiro?

A idéia utilizada também não era nova, apenas foi aperfeiçoada. O Google sabia que não seria o primeiro site do mundo a misturar buscas de palavras e anúncios, mas o fez de forma discreta, acima e no canto direito da tela do computador, sem incomodar o internauta.

Para cobrar os anunciantes, se baseou na quantidade de cliques que cada anúncio recebia. Quanto mais pessoas acessavam um site comercial, mais o Google ganhava. Para se ter uma idéia, a empresa já recebeu mais de US$ 3 milhões por dia, em propaganda descoberta pelo mouse.

Ao mesmo tempo, investia em inovação, sempre, todo dia, como um mantra obsessivo. A partir de 2003, já estava disponível em mais de cem línguas, inclusive urdu, persa e iorubá. Quando, em 2004, lançou seu próprio serviço de e-mail, o Gmail, o espaço livre para receber mensagens na caixa postal era 250 vezes maior que o do Yahoo! e 500 vezes mais poderoso que o correio grátis da Microsoft.

Os dois sócios espalharam escritórios pelo mundo - no Brasil, há uma unidade comercial em São Paulo e um centro de pesquisas em Belo Horizonte - e colocaram uma tribo de engenheiros de software para trabalhar como se estivessem em uma colônia de férias para adultos.

O quartel general da companhia, nos EUA, o Googleplex, tem piscina, quadras esportivas e salão de beleza. Os funcionários correm de patinete nos corredores. Podem levar o cachorro para o escritório - nunca gatos - e têm três refeições grátis. Um dos primeiros chefes de cozinha do lugar pilotava o fogão nas turnês da banda Grateful Dead. Mais descontração, impossível.

Para pagar o preço de tanta diversão, os funcionários, que trabalham sempre em equipe de três pessoas, têm de oferecer boas idéias no altar do Google. Cerca de 20% do tempo de trabalho ou um dia por semana é reservado, religiosamente, para o desenvolvimento de projetos pessoais - uma ótima maneira de estimular a inovação permanente. A prática já deu origem a produtos disponíveis no site, como o Google News, que republica notícias de outras mídias.

Hoje, diante de inimigos não declarados, como a Microsoft, que implantou um recurso de busca de arquivos dentro do novo sistema operacional Vista; e o Yahoo!, que recebeu do concorrente 2,7 milhões de ações por ter provado que o site de Brin e Page havia copiado seu sistema de anúncios on-line, o Google, dono do Orkut e do YouTube, luta para não virar um inimigo de si mesmo.

Depois do sucesso instantâneo, tem de correr diariamente para provar que é a ferramenta de busca mais eficaz da internet, a empresa mais rentável do setor de tecnologia e o melhor lugar do mundo para dar expediente. Na prática, vive um Dorian Gray da tecnologia: precisa estar sempre jovem e robusto. E procura, em vão, uma sobra de tempo para se olhar no espelho.

Recentemente, os governos da Índia e do Iraque pediram ao Google para que o programa Google Earth, que mostra imagens de satélite da Terra, em qualquer computador, deixe de exibir pontos militares e estratégicos dos dois países.

No mês passado, no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, o co-fundador Sergey Brin admitiu que errou ao colaborar com o governo chinês quando colocou no ar uma versão censurada do seu sistema de busca. Ele conseguiu pular as muralhas da China e laçar cem milhões de usuários de internet em uma só tacada, mas Pequim ainda controla o acesso dos cidadãos chineses à web.

Para continuar no topo, o Google faz uma busca em si mesmo. E procura caminhos no meio da própria tecnologia que lapidou. Além de anunciar que quer enterrar de vez o conceito físico das bibliotecas de tijolo - pretende digitalizar e oferecer todo o acervo de grandes centros de leitura como Harvard e Oxford - deseja usar a mesma engenharia de software que garimpa palavras para acelerar, nos próximos anos, estudos de biologia molecular e genética.

Perto de completar seus dez primeiros anos, o Google parece pedir agora o direito de ser algo que não teve tempo. Apenas uma empresa perto de completar dez anos.

"Google - A História do Negócio de Mídia e Tecnologia de Maior Sucesso dos Nossos Tempos" - De David A.Vise e Mark Malseed. Rocco, 351 páginas. Preço a definir