Título: STF pode recalcular sanções, diz Ayres Britto
Autor: Basile, Juliano; Magro, Maíra
Fonte: Valor Econômico, 26/10/2012, Política, p. A5

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) debateram o dia inteiro, ontem, mas não conseguiram concluir a definição das penas para o segundo dos 25 réus condenados no julgamento do mensalão - o sócio do publicitário Marcos Valério, Ramon Hollerbach. Decidiram que Hollerbach deve pegar penas que, somadas, chegam a 14 anos, 3 meses e 20 dias de reclusão pelos crimes de formação de quadrilha, corrupção ativa e peculato, além de multa de R$ 1,634 milhão. Já Valério foi condenado a 40 anos, 1 mês e 6 dias de cadeia, acrescidos de multa de R$ 2,783 milhões. Mas, segundo advertiu o presidente da Corte, ministro Ayres Britto, as penas poderão ser recalculadas ao fim do julgamento e esses ajustes devem alterar completamente as penas finais dos réus. "Se nós formos observar certos parâmetros que estamos fixando aqui, é claro que faremos um recálculo", disse. De acordo com Britto, dosimetria é exatamente isso e é normal que as discussões sejam demoradas. Segundo ele, os ajustes feitos durante os debates determinarão a correção na última etapa do julgamento.

O Supremo definiu ontem, por exemplo, que todos os dias-multa deverão ser de 10 salários mínimos cada. A decisão deverá beneficiar Marcos Valério, pois algumas das penas do publicitário consideraram um cálculo de 15 salários mínimos por dia-multa. Isso, como várias outras decisões preliminares, segundo Ayres Britto, poderá ser revisto.

O STF gastou dois dias para chegar às penas de Valério e, num terceiro, discutiu a situação de Hollerbach. A Corte ainda não definiu as punições a Hollerbach por dois crimes: lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Restam 23 réus e não há previsão para o fim do julgamento.

Um dos maiores problemas enfrentados pelo STF ontem foi a possibilidade de atribuir a Hollerbach algumas penas mais altas do que as de Valério, considerado o operador do mensalão ou, como definiu o relator do processo, Joaquim Barbosa, "o organizador do esquema criminoso". Todos os ministros concluíram que não seria possível Hollerbach sofrer punições maiores do que as de Valério, mas, como eles possuem critérios diferentes para chegar às penas, houve divergências que, até aqui, se mostraram intransponíveis.

A sessão foi encerrada quando a Corte discutia a pena a Hollerbach por lavagem de dinheiro. Barbosa propôs pena de 7 anos e 6 meses, além de multa de R$ 431,6 mil por considerar que o crime teve continuidade no tempo. Lewandowski discordou e votou pela aplicação de multa de R$ 33,8 mil e 4 anos de reclusão. "Qual a pena para Valério nesse item?", perguntou a ministra Rosa Weber. "6 anos, 2 meses e 20 dias de prisão por esse crime", respondeu Marco Aurélio Mello. "Esse réu [Hollerbach] não pode ficar com pena maior do que o outro [Valério]", advertiu o ministro Luiz Fux. "Talvez, ao final do resultado, nós devamos rediscutir para evitar algumas incongruências", ponderou Celso de Mello.

A busca de soluções para evitar essas incongruências dividiu a Corte. Barbosa propôs que o STF revisse a pena-base para Hollerbach, de maneira a reduzi-la com relação à punição de Valério. A partir da pena-base os ministros definem as agravantes pelas quais chegam à pena final para cada crime. Já o revisor, ministro Ricardo Lewandowski, votou pela redução da agravante dada ao sócio de Valério por conta de 46 operações de lavagem de dinheiro pelas quais ele foi condenado. Barbosa aplicou agravante para aumentar a pena em dois terços, mas Lewandowski quis a elevação em apenas um terço.

"As penas não são altas", argumentou o relator. "O mínimo é de três anos", continuou, referindo-se ao crime de lavagem de dinheiro. "As circunstâncias é que lhe são desfavoráveis, pois há um número alto de operações." Segundo o relator, não seria possível reduzir para um terço a agravante, já que foram 46 operações ilegais. "Mas esse réu não pode pegar pena mais gravosa do que Valério", constatou Britto. "Nós precisamos de um critério, presidente", pediu Fux. Barbosa ficou vencido ao impor penas mais altas para Valério no início da fase da dosimetria, na quarta-feira, mas, mesmo assim, se negou a reduzir as penas de seus sócios. "Eu, ontem [quarta-feira], fiquei vencido. Mas não se discute mais os critérios que eu fixei", justificou. Para ele, é a pena final de Valério que deve ser aumentada.

Na tentativa de chegar a uma solução, Celso de Mello reduziu a pena-base para Hollerbach de modo a manter os dois terços de agravante dados por Barbosa. Com isso, o decano chegou a 5 anos e 10 meses de reclusão para esse crime. A proposta teve o aval de Barbosa, Fux, Gilmar Mendes e Britto. Já Lewandowski, Dias Toffoli e Rosa Weber ficaram com a agravante de um terço e a pena mais baixa. A conclusão se daria pelos votos de Marco Aurélio e Cármen Lúcia, mas eles deixaram o STF antes do fim da sessão e se dirigiram ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dada a proximidade do segundo turno das eleições. Com isso, a Corte não conseguiu decidir a pena para Hollerbach para lavagem e a expectativa é que problemas semelhantes surjam para outros réus - sócios de Valério que também teriam que pegar penas menores que ele.

A fase da dosimetria foi tão complexa que, em muitas ocasiões, alguns ministros não sabiam qual o crime que estava sendo votado. Rosa Weber revelou que os ministros haviam combinado de seguir as penas propostas pelo relator ou pelo revisor, optando pela mais próxima aos seus cálculos, mas isso acabou não acontecendo. "Sei que deveria acompanhar um ou outro, mais ou menos o que tínhamos assentado", disse a ministra, que, em determinado momento, optou por uma terceira vertente.

No início da sessão, o advogado de Hollerbach, Hermes Guerreiro, pediu ao presidente para que lembrasse os votos dados por Cezar Peluso, ministro que se aposentou no início do julgamento e deixou um cálculo de dosimetria para alguns réus. Pelas contas de Peluso, Hollerbach pegaria penas mínimas e esse ponto foi ressaltado imediatamente por Barbosa. "É o mínimo que conduzirá certamente à prescrição", ironizou o relator, com uma pequena risada ao fim de sua fala. "A risadinha é uma falta de respeito com a lei e a Justiça", disse Guerreiro no intervalo da sessão, irritado pelas penas mais altas que foram impostas com o voto de Barbosa.

Sempre que Britto lia uma indicação de pena mais baixa de Peluso, Lewandowski exaltava o ministro aposentado. "Impressionei-me com o derradeiro voto de Peluso, finalizando 40 anos de magistratura", disse o revisor. Barbosa discordou, alegando que Peluso não teve todos os elementos do restante da Corte que atuou em todo o julgamento. "Entre vossa excelência [Barbosa] e Peluso, com todo o respeito, eu acompanho Peluso", respondeu Lewandowski.

Britto procurou minimizar as divergências sobre a aplicação das penas e avaliou os intensos debates como normais. "Não estranhem. É natural. Dosimetria é assim mesmo", declarou o presidente, no intervalo da sessão. O julgamento será retomado em 7 de novembro.