Título: E agora, o que os espera?
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 29/11/2010, Brasil, p. 5

GUERRA NO RIO Depois de assistirem aos policiais dominarem o Morro do Alemão, os 400 mil moradores do local querem a presença constante do Estado na favela Enviada especial

Rio de Janeiro ¿ Como gosta de repetir Ronaldo Oliveira, um bem-humorado diretor das delegacias especializadas da Polícia Civil do Rio de Janeiro envolvido na operação atual: ¿Tá tudo dominado!¿ O sentimento se justifica depois do primeiro dia de ocupação, sem grandes confrontos, do Complexo do Alemão ¿ um conjunto de 13 favelas há 30 anos comandado pelos traficantes de drogas. O que os 400 mil moradores do local e especialistas em segurança pública começam a se perguntar, a partir de agora, é o que vem depois. Garantir serviços públicos, mesmo os básicos, e conter a fome das milícias são desafios para o futuro próximo.

¿Sempre fui crítico quanto à operação em favela. Achava imunda e burra a atitude de entrar, trocar tiro e depois sair. É um desrespeito com o morador. Mas se você vai entrar na favela para nunca mais sair, aí é honesto¿, diz Rodrigo Pimentel, ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Segundo ele, embora as especulações apontem para a implantação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), essa não é a única forma de o Estado se fazer presente. ¿Você tem favelas como Morro Azul e Tavares Bastos tomados pela polícia sem UPP¿, destaca.

A dificuldade de implantar UPP, atualmente em 12 comunidades no Rio, que tem cerca de 200 favelas no total, é clara. Um primeiro problema está na densidade populacional do Complexo do Alemão, que tem quase meio milhão de pessoas, na estimativa da própria polícia. Pela lógica da pacificação, em que é necessário um policial para cada grupo de 80 habitantes, segundo o próprio secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, teria de haver 5 mil agentes só no Alemão. Isso, na prática, é completamente inviável. Mesmo problema da Rocinha, que dificilmente receberá uma UPP nos moldes originais.

Em segundo lugar, há a urbanização extremamente mal planejada do Complexo do Alemão, onde se vê esgoto a céu aberto. A coleta de lixo, que nesse período de ação policial se acumulou, também deixa de ser levado em dias normais, relata a comunidade. As vias são estreitas e muito inclinadas. As casas, muito precárias. O comandante da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Mário Sério Duarte, deixa clara a preocupação com os serviços que precisam ser oferecidos à população das favelas que formam o Alemão para que a ocupação das forças de segurança represente, de fato, uma virada na história de combate ao crime na capital.

A Prefeitura do Rio já anunciou reforma social e urbanística na Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, antes reduto do tráfico de drogas que foi tomado na semana passada, antes do Alemão, ontem. Estão previstos recursos da ordem de R$ 400 milhões. A primeira ação está prevista para ocorrer em cerca de dois meses. Orçada em R$ 144 mil, trata-se de uma revitalização do Parque Proletário da Penha, local que deveria servir à comunidade como opção de lazer e cultura. O projeto habitacional Morar Carioca também está previsto para a Penha.

Origem Foi na década de 1950 que a região do Complexo do Alemão recebeu o nome atual, devido à aparência de Leonard Kaczmarkiewicz, um polonês dono de parte das terras.

13 Número de favelas que formam o Complexo do Alemão. Elas estão sobre a Serra da Misericórdia, na Zona Norte do Rio.

400 mil Número de moradores do Alemão estimado pela polícia, embora o Censo de Favelas tenha apontado cerca de 100 mil.