Título: Reflexo no bolso
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 29/11/2010, Brasil, p. 5

Bastou as Unidades de Polícias Pacificadoras (UPPs) mexerem no bolso do tráfico para os bandidos reagirem com violência contra a política de retomada das favelas pelo estado. As 12 UPPs espalhadas por comunidades da Zona Norte, Oeste e Sul reduziram, de acordo com o governo do Rio, de 60% a 70% o volume de dinheiro que circulava nas comunidades abastecendo o tráfico. Pesquisa da Subsecretaria de Estudos Econômicos da pasta de Fazenda do estado analisou dados de consumo e apreensão de drogas e mostrou que a venda de drogas movimenta de R$ 316 milhões a R$ 633 milhões por ano.

O professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e presidente do Observatório Urbano do Rio, Cezar Honorato, explica que apesar de as UPPs ainda não se situarem em comunidades que concentram o ¿atacado¿ da venda de drogas, as favelas escolhidas como piloto para as ocupações movimentavam grandes montantes de dinheiro em vendas de entorpecentes. ¿As UPPS significaram uma perda real para os grandes grupos do tráfico. Principalmente nas favelas da Zona Sul, que são as maiores consumidoras de cocaína e ecstasy. Quem consome é a população de maior poder aquisitivo. Algumas favelas não têm volume, mas têm alta lucratividade, como as do entorno da Tijuca e do Pavão-Pavãozinho, com consumidores de drogas caras¿, observa.

O trabalho da Subsecretaria de Governo do Rio, que analisa as chamadas ¿bocas de fumo¿ como estabelecimentos comerciais que precisam de capital de giro, funcionários e condições favoráveis de mercado para se manterem abertas, também explica, em grande parte, o desespero dos traficantes com o cerco do Estado aos ¿negócios¿. O princípio da oferta e da procura, traz a pesquisa, interfere diretamente no preço da droga e no lucro do traficantes.

Atenção Uma boca que atende a grande número de viciados atrairá, consequentemente, a atenção dos policiais. Para continuar vendendo drogas no local, o traficante terá que subtrair de seu ¿lucro¿ a taxa de suborno a policiais ou o gasto para comprar armamento para o confronto com o poder público. As perdas de ¿mercadoria¿ com apreensão também influem no mercado da droga. De acordo com o estudo, 10% do total movimentado com venda de drogas no Rio de Janeiro é apreendido pela polícia.

Como, em tese, o suborno aos policiais para evitar as apreensões é um dos elementos de subtração no lucro final dos traficantes, corromper agentes de uma unidade pacificadora pode sair mais ¿caro¿ para os bandidos. A repressão policial não acabou, mas mudou o modo de exploração do tráfico na Rocinha, afirma Honorato. De acordo com o especialista, a favela deixou aos poucos de ser uma ¿central¿ de distribuição de drogas para atuar no varejo. ¿A droga chega, vai para as centrais e são distribuídas. A Rocinha, depois da atuação da polícia, virou mais varejo. Atualmente, de centrais, podemos apontar duas: Complexo do Alemão e Maré/Manguinhos. Elas possuem rotas de fácil chegada e fuga, pois ficam perto de grandes vias, como a Dutra e a Linha Vermelha.¿

Os recursos humanos do tráfico não são esquecidos pelo estudo. A pesquisa aponta que mais de 16 mil pessoas ¿trabalham¿ para o crime, e, de acordo com estimativa do Observatório de Favelas, a ¿remuneração¿ desses sub-bandidos varia de um a três salários mínimos. O presidente do Observatório Urbano afirma que as imagens da fuga dos bandidos da Vila Cruzeiro desmentem o rótulo de ¿crime organizado¿ e o que se vê, na verdade, são jovens viciados, violentos, mas com pouca capacidade de articulação. ¿A faixa etária é baixa. Falta vivência aos bandidos, eles são mais reativos. A maioria é viciado. É utópico esperar uma ação organizada de quem está cheirado de cocaína¿, pontua o professor.

ECONOMIA DO TRÁFICO

Do faturamento com a venda de entorpecentes do Rio, que varia de R$ 316 milhões a R$ 633 milhões, o que seria o lucro dos traficantes é reduzido em gastos com:

Mão-de-obra

Dinheiro do tráfico usado para pagar os chamados "aviões", mensageiros e olheiros - R$ 158 milhões

Matéria-prima para a produção de entorpecentes

Compra de pasta base e outras substâncias utilizadas para replicar as drogas - De R$ 96 milhões a R$ 193 milhões

Compra de armas - R$ 24 milhões

Perdas com apreensão - De R$ 9,6 milhões a R$ 19,3 milhões Lucro do tráfico - R$ 26,5 milhões a R$ 236 milhões

Deu no...

THE NEW YORK TIMES O jornal norte-americano destacou em sua página principal na internet que as forças de segurança do Brasil assumiram o controle de uma das favelas mais violentas do Rio de Janeiro. O periódico apontou que o Estado conquistou uma vitória na batalha contra traficantes, que já custou dezenas de vidas. ¿No meio da tarde, uma onda de calma e alívio varreu o complexo de favelas Alemão, mas ainda havia tiros ocasionais¿, citou o jornal. A reportagem relatou ainda que a Polícia Militar levantou bandeiras do Brasil e do Rio de Janeiro no topo de uma das favelas.

EL PAÍS O diário espanhol destacou uma frase do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, que disse, depois que as tropas militares dominaram o Complexo do Alemão, que ¿o Rio finalmente recuperou seu estado democrático¿. Segundo o jornal, raramente a declaração de um político soou tão forte e dura como a frase do governador. No texto, o El País aponta Cabral como futuro candidato a presidente da República e cita frase em que ele afirma que o Complexo do Alemão foi finalmente arrancado das mãos dos traficantes de drogas.

LE MONDE Uma operação nunca antes vista no Rio. Assim o site do jornal francês Le Monde descreveu a atuação das forças de segurança que reconquistaram o controle de favelas do Complexo do Alemão. O periódico destaca que, desde o início da batalha, ¿os confrontos entre os traficantes e a polícia mobilizaram cerca de 2,6 mil paraquedistas, fuzileiros navais, membros da força de elite da polícia e militares, apoiados por tanques e helicópteros¿. A matéria observa que o confronto entre Estado e traficantes aconteceu em bairros pobres, onde vivem 400 mil cariocas.

CLARÍNX O argentino Clarín chamou a atenção em sua página na internet para o confronto violento, que terminou com a invasão por parte da polícia e de tropas militares a um grupo de mais de 12 favelas do Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio de Janeiro. O jornal destacou que 500 traficantes se recusaram a se render. A reportagem ressaltou a elevada quantidade de armamentos e drogas apreendidos durante a operação e citou que há uma semana o Rio está enfrentando uma verdadeira guerra contra homens do Comando Vermelho, que ¿lançou uma onda de ataques na cidade¿.

THEGUARDIAN O jornal inglês destacou em uma chamada na capa de seu site que a polícia recapturou algumas das principais favelas onde ocorria o tráfico de drogas no Rio de Janeiro. ¿Mais de dois mil agentes da polícia fortemente armados invadiram a favela mais famosa do Rio de Janeiro hoje, após uma semana de confrontos explosivos, que deixaram pelo menos 50 pessoas mortas¿, destacou a reportagem, que classificou a operação como sem precedentes na história da cidade. O texto também citou a fuga de traficantes, que deixaram para trás mansões com televisores, com piscinas e saunas.