Título: Uma agenda para o Brasil
Autor: Amaral, Roberto
Fonte: Valor Econômico, 08/02/2007, Opinião, p. A12

O Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), com o qual o presidente Lula inaugura seu segundo mandato, poderia chamar-se, tão-simplesmente, "Plano de Crescimento", e só isto já seria suficiente para justificá-lo, pois é exatamente isto que deseja o país: a retomada do crescimento com distribuição de renda, ou seja, aquele desenvolvimento que combate a exclusão e mira, ainda que lá longe, um regime de igualdade social e iguais oportunidades econômicas.

Na sua essência, e independentemente dos resultados que venha a apresentar, o PAC reúne duas novidades que são seus dois grandes méritos. Primeiro, dota o país, finalmente, de uma agenda de governo para debater com o país como foi, cinqüenta anos passados, o Plano de Metas do governo JK. Não os estou comparando, até porque trata-se de dois momentos históricos absolutamente distintos, como distintas eram as forças que davam sustentação ao "desenvolvimentismo" dos anos 50, comparadas às que hoje fazem a coalizão de partidos e movimentos sociais que integram a base de apoio do segundo governo Lula. Afirmo, tão-só, que agora temos um projeto de governo e uma promessa de desenvolvimento, e em torno de ambos a sociedade é chamada a falar, discutindo-o, defendendo-o ou a ele se opondo. Desenvolver ou não o país passa a ser a questão central. É o retorno àquilo que Gramsci chama de "a grande política", a discussão dos grandes temas, dos projetos nacionais, em contraste com a "pequena política", que na verdade nem política é: a política, rasteira, pedestre, que dominou o cenário brasileiro nos últimos anos, com seu debate medíocre e seus personagens menores, políticos de consumo rápido que logo logo serão tragados pelo esquecimento coletivo. O segundo mérito do PAC é romper com o neoliberalismo, com tudo o que ele representou e representa para a América do Sul - de onde está sendo enxotado pelo democrático sufrágio popular. No que nos diz respeito, seu legado é a quase estagnação econômica, a paralisia do crescimento de um país (quase duzentos milhões de habitantes e já considerável expectativa de vida) que se acostumara a crescer de forma continuada, em níveis que para os economistas de hoje e de sempre - os responsáveis impunes de nossa tragédia - sugerem sonho e delírio de dinossauros, pois dinossauros, anacrônicos, atrasados somos nós os que forcejamos por apressar o futuro.

A iniciativa do PAC, é produto da campanha eleitoral e, particularmente do segundo turno; é o clamor das ruas que a sensibilidade do presidente soube captar e, com autoridade, impor ao governo, como seu compromisso ético para este segundo mandato.

Mas não logrará bom êxito se, aspiração da coletividade nacional, o PAC não tiver nas grandes massas - suas beneficiárias preferenciais - a sustentação necessária para poder enfrentar as adversidades que lhe serão impostas. É evidente, é curial, é óbvio, que o presidente precisa negociar com os governadores, com o Congresso e com a oposição, e com as classes econômicas diretamente envolvidas. Mas sua execução, sua efetividade, dependerá do apoio da sociedade, dependerá de as grandes massas o entenderem como seu, e nessa condição protegê-lo. E esse apoio da sociedade tornará mais fácil e mais barata sua aprovação no Congresso. O presidente tem todas as condições objetivas para optar pelo grande diálogo, fugindo da pequena política e ensejando a vitória da grande política. Ele precisa pôr no tabuleiro o grande patrimônio de votos com o qual foi eleito.

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Mas cuidemos do rompimento com o neoliberalismo. Ele se dá quando o Estado brasileiro volta a desempenhar seu papel tradicional - e insubstituível em nosso país - de indutor do desenvolvimento, papel que ainda não é maior porque foram profundos os estragos que os três governos dos dois Fernandos impuseram à nossa capacidade de investimento. Destaca-se, pois, nesse esforço de recuperação do crescimento econômico e do desenvolvimento, o papel atribuído às poucas estatais que sobreviveram à fúria da privataria do governo FHC. Se, de um total de R$ 503,9 bilhões de investimentos previstos pelo PAC, nada menos de R$ 287 bilhões constituem dinheiro público, as velhas e combatidas estatais, Petrobras e Eletrobrás à frente, são responsáveis R$ 219,2 bilhões (43,5%), dos quais só a nossa petroleira responde por R$ 148,7% bilhões.

Não é apenas nesse aspecto, relevante, que o governo Lula, neste seu segundo mandato iniciante, rompe com as amarras do imobilismo neoliberal. Ora, o grande corte de despesas, a grande fonte de recursos para os investimentos em infra-estrutura, não atingiu, como esperavam as elites desvairadas, nem o funcionalismo público, nem os pensionistas, nem em cima de gastos correntes, como reclamam os economistas do sistema, mas recaiu naquilo que para eles é sagrado: o superávit primário! Quebrou-se o tabu, vamos reduzir essa contração estúpida, o presidente já anunciou, e, como prevíamos, anúncio feito, a casa não caiu, nem cairá. Continua de pé, e o chamado Risco Brasil, com o qual nos assustavam todas as noites os noticiários, continua declinante (acaba de atingir o quinto recorde do ano, em queda de 0,55%, aos 180 pontos básicos), o dólar permanece estável ou em sua desvalorização (cotado em torno de dois reais), e a Bovespa (operando acima dos 45 mil pontos e com volume de negócios por pregão em torno de 2,6 bilhões) recuperou-se. Que nos dizem agora as cassandras do derrotismo, defensoras da estagnação, pós-graduadas em agouros e na lição cediça segundo a qual nada temos a fazer, senão aceitar as coisas como elas são, pois assim decretam os desígnios da globalização?

O segundo mandato do presidente Lula se propõe a demonstrar que outro país é possível. Para realizar esse intento basta apelar para o diálogo com a sociedade. Foi isso o que fez na crise de 2005, e só por isso dela saiu. Foi isso o que lhe assegurou a vitória eleitoral.

Roberto Amaral é professor universitário, é vice-presidente nacional do Partido Socialista Brasileiro, ex-Ministro da Ciência e Tecnologia e autor de diversos livros entre os quais "Socialismo, vida, morte e ressurreição" (Vozes).