Título: Ministro da Fazenda descarta o uso de 'artificialismo' para segurar o câmbio
Autor: Safatle, Claudia e Galvão, Arnaldo
Fonte: Valor Econômico, 08/02/2007, Finanças, p. C2

Num dia de fortes boatos sobre a saída de Henrique Meirelles da presidência do Banco Central e de pressões crescentes advindas do PT para mudanças no BC, na política de juros e no patamar da taxa de câmbio, , o ministro da Fazenda, Guido Mantega, descartou o uso de "artificialismos" para segurar o câmbio; negou que Meirelles esteja deixando o governo; mas deixou claro que, ao contrário do que consta da ata da última reunião do Copom - que reduziu o ritmo de queda da taxa Selic -, ele não está preocupado com o aumento da demanda e eventual descasamento entre oferta e demanda agregada que produziria pressões inflacionárias. "Não tenho medo de um aumento da demanda porque o Brasil está preparado para aumentar a oferta", comentou o ministro.

"Conversamos normalmente e tivemos reunião com o presidente. Vida normal. Não tem novidade nesse campo. Nenhuma demissão", disse o ministro, ao comentar a reunião que houve na noite de terça-feira com o presidente Lula, no Palácio da Alvorada, durante a qual o tema dominante foi o que fazer para conter a valorização da moeda doméstica. "Temos de pensar que o Brasil é um país muito sólido e, infelizmente, ou felizmente, isso afeta o câmbio. Não como gostaríamos", disse o ministro, deixando clara também a percepção de a apreciação do real da semana passada para cá decorreu da coincidência entre a decisão do Copom dia 24 de janeiro, de reduzir a velocidade de queda dos juros básicos, e a do Fed (banco central americano), que sinalizou, em reunião do Comitê de Mercado Aberto, no dia 31 de janeiro, um dia antes da divulgação da ata do Copom, que os juros nos EUA não devem mais subir e que há perspectiva de comecem até a cair. Segundo Mantega, os investidores buscaram alternativas e "houve um movimento especulativo de fora para dentro que valorizou o real".

Mantega acha, portanto, que a apreciação do real é um movimento passageiro e na entrevista, ontem, concluiu: "Nós estamos no caminho certo porque as taxas de juros que nós temos são mais elevadas e ajudam a valorizar o real. Mas elas estão caindo de forma firme durante muito tempo consecutivo e vão continuar caindo".

A despeito das divergências, num ponto, Fazenda e BC concordam: não dá para mudar a política de regime de câmbio flutuante e, portanto, a capacidade do BC de sustentar uma taxa mais favorável aos exportadores brasileiros é bastante limitada. O que é possível fazer é continuar comprando dólares e acumulando reservas cambiais, hoje superiores a US$ 92 bilhões. Aí, há outra diferença de opinião: a Fazenda entende que caberia ao BC comprar mais do que está comprando para não sancionar novo patamar de taxa de câmbio, inferior aos R$ 2,10, pois esta seria uma taxa produzida por uma infeliz coincidência de decisões do Copom e do Fed, provavelmente não sustentável no tempo.

As pressões sobre o BC subiram de temperatura após a reunião do Alvorada. Marinho, ministro do Trabalho, em entrevista para divulgar os dados de emprego, não poupou comentários. Disse que o governo "vai atuar no câmbio" e que a flutuação "tem que atender aos interesses do país". E afirmou que o BC errou na política de juros em 2006 e "está errando de novo ao desacelerar o ritmo de redução dos juros". O deputado Ricardo Berzoíni (PT-SP), presidente do PT, reclamou por uma taxa de câmbio "de equilíbrio". À tarde, espalharam-se boatos de que Meirelles teria batido as mãos na mesa, no que teria sido uma tensa reunião no Alvorada na noite de terça feira. Meirelles, que não parece afeito a gestos destemperados, viajou em missão oficial ontem à noite para Portugal, convencido de que permanece no cargo, apesar do clima de conspiração no PT. Este recomeçou com o pedido de José Dirceu, em seu blog, na semana passada pelo afastamento de Meirelles.

Dirceu quer, com esse discurso, se reposicionar no partido com uma bandeira política, ao invés de uma bandeira pessoal, como a questão da sua anistia. Berzoíni, na terça feira, antes da convocação do encontro no Alvorada, foi ao ministro da Fazenda, Mantega, também para pedir mudanças na política econômica. Além de Marinho e Berzoíni, outras cabeças coroadas do PT, como a ex-prefeita marta Suplicy, defendem a saída de Meirelles e mudanças na política econômica. Marta, porém, não aparece por ser candidata a assumir um ministério. Esse movimento, contudo, não é uma unanimidade no partido. Uma ala mais vinculada ao presidente Lula acha que Meirelles é como um goleiro, como ele próprio se qualificou em entrevistas recentes. A ele cabe a defesa da moeda. Para continuar no comando do Banco Central bastaria fazer umas mudanças na diretoria da instituição, segundo fontes do PT ligadas ao palácio do Planalto. Estas já teriam sido inclusive acertadas entre o presidente do BC e Lula.

Mantega minimizou as pressões sobre Meirelles vindas do ministro do Trabalho, Luiz Marinho. "Se o BC fosse simpático, estaria agradando todo mundo. Aí talvez ele não estivesse cumprindo adequadamente a sua missão, que é de ser o guardião da moeda e da estabilidade", disse o ministro.