Título: A via administrativa e o contencioso fiscal
Autor: Brandão, Manoel Felipe Rêgo
Fonte: Valor Econômico, 15/02/2007, Legislação & Tributos, p. E2

O contencioso administrativo fiscal, regido pelo Decreto nº 70.235, de 1972, e suas alterações posteriores, conduz-se, na esfera federal, sob a autoridade da Secretaria da Receita Federal, dos Conselhos de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais. São sobre esses órgãos colegiados de "justiça administrativa" essas rápidas considerações.

Acompanhando as atividades dos Conselhos de Contribuintes percebe-se que esses órgãos tornaram-se orientadores da jurisprudência não apenas administrativa, mas também judicial. Não é raro ver juízes, inclusive de instâncias superiores, invocarem precedentes e entendimentos nascidos no seio dos conselhos, para reforçar suas sentenças e votos. Mesmo escritórios de advocacia têm preferido submeter demandas aos Conselhos de Contribuintes, na certeza de encontrar julgadores com profundo conhecimento técnico, o que facilita o debate das teses ali enfrentadas. No Poder Judiciário, não obstante o elevado nível intelectual dos juízes, impõe-se admitir que nem todos são especialistas em matéria tributária. Daí, inclusive, o alto grau de resignação dos contribuintes com as decisões dos conselhos.

Diante da inegável importância dos conselhos, creio que seja oportuno que governo e sociedade aprofundem o debate sobre a estrutura, o funcionamento e o modelo de jurisdição desses órgãos. No aspecto estrutural, parece interessante transformá-los em tribunal administrativo, dotado de autonomia administrativa e financeira, a exemplo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), e sem vinculação hierárquica com qualquer órgão da administração tributária. Hoje, há autonomia formal, mas a forma de indicação e nomeação dos conselheiros induz a uma implícita interferência externa.

Os membros deste tribunal administrativo seriam escolhidos em um processo que garantisse sua absoluta independência. Os representantes da administração tributária, por exemplo, poderiam submeter-se a concurso interno, cujas regras estimulassem a escolha de quem aliasse notório conhecimento técnico à experiência profissional. Os representantes dos contribuintes poderiam também ser submetidos a um processo seletivo pautado nesses mesmos requisitos. Nesse caso, parece-me recomendável vedar a participação, por exemplo, de advogados e contadores no efetivo exercício de suas profissões. A presença de tais profissionais, por mais justas que sejam suas atuações, deixa sempre resquícios de dúvidas, incompatíveis com a função de julgar. Os mandatos por tempo determinado, de dois ou três anos, permitida uma só recondução, assegurariam a constante renovação do tribunal administrativo. A remuneração dos membros deveria ser específica e compatível com a importância do cargo, vedado o pagamento de verba remuneratória de qualquer outra natureza.

-------------------------------------------------------------------------------- Parece interessante transformar o Conselho de Contribuintes em tribunal administrativo, a exemplo do Cade --------------------------------------------------------------------------------

Funcionalmente, não há porque inventar a roda: existem boas normas regendo internamente nossos tribunais. Bastaria escolher o que há de compatível com o funcionamento de um tribunal administrativo moderno, promover as adaptações e suprimir os excessos burocráticos e os anacronismos. Enfim, normas asseguradoras de um funcionamento ágil, transparente e, acima de tudo, que imponham a observância de princípios básicos da administração pública, como os princípios da moralidade, impessoalidade e eficiência.

O contribuinte teria a opção de submeter suas demandas ao tribunal administrativo, mas ficaria impedido de rediscuti-las no Poder Judiciário. Não faz sentido utilizar a via administrativa para resolver suas demandas e, em seguida, percorrer um caminho ainda maior na via judicial. Essa escolha não viola a garantia da universalidade de jurisdição prevista na Constituição Federal. A opção pelo tribunal administrativo traduziria uma expressa manifestação de vontade do contribuinte por esta forma de solução dos conflitos. A instituição do juízo arbitral foi considerada constitucional porque o titular de um direito pode dispor tanto dele quanto da ação que o tutela.

Alternativamente, poderiam ser cobradas multas vigorosas para quem renovasse a demanda na via judicial, com a evidente finalidade de adiar o pagamento das suas obrigações. Nunca se alcançará a tão sonhada eliminação de recursos protelatórios enquanto a discussão na via judicial for financeiramente mais atrativa do que a quitação do débito. O novo órgão deveria possuir estrutura enxuta, rápida e eficiente, que utilizasse com generosidade os recursos de informática para suprimir rotinas burocráticas e tornar mais ágil e eficiente a tramitação dos processos e a comunicação com os jurisdicionados. Não há dúvida de que o sucesso dessa iniciativa depende, em grande medida, da satisfação do usuário com a qualidade dos serviços. De nada adianta dar uma nova roupagem a uma estrutura ultrapassada, pesada e lenta.

O desenvolvimento econômico depende do grau de certeza que os investidores tiverem em relação às leis e à sua aplicação. Ninguém quer investir seus recursos em um ambiente de incerteza e de constante oscilação. Quem deseja obter emoção com investimentos financeiros dispõe de outras alternativas que agregam ao suspense algum tipo de divertimento. Para os cidadãos de bem, que lutam para que este país ultrapasse as barreiras do atraso, é preciso criar um ambiente de estabilidade, com menos custos e mais segurança.

Manoel Felipe Rêgo Brandão é ex-procurador-geral da Fazenda Nacional e sócio do escritório Manoel Felipe Consultoria SS

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