Título: Previdência social é um problema de longo prazo e urbano
Autor: Safatle, Claudia e Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 15/02/2007, Brasil, p. A7

Consagrada, no governo, a idéia de que a previdência social urbana não tem um déficit explosivo no curto prazo, o ministro da Previdência Social, Nelson Machado, tem uma abordagem nova da situação. Para ele, nos próximos três a quatro anos, não há problema na previdência urbana, a rural é uma questão de cidadania e a do funcionalismo público, já foi objeto de reforma.

O déficit da previdência urbana, excluídas da contabilidade todas as despesas que guardam relação com políticas sociais, foi de apenas R$ 3,8 bilhões no ano passado. Para esse buraco, medidas de gestão são suficientes e Machado prognostica que em três anos essas medidas podem até zerar o déficit.

No médio prazo - nos próximos cinco anos -, o sistema contará com o "bônus demográfico", ou seja, o país estará vivendo no auge da população produtiva, portanto, com mais trabalhadores contribuindo para a previdência social. Assim, resta o longo prazo. Aí, a situação é muito grave, diz ele. É para ela que os diagnósticos apontam e nela que deverá se concentrar o debate no fórum recém instalado pelo governo para debater o assunto.

Em 2050, cita o ministro, o país terá cerca de 14 milhões de pessoas com mais de 80 anos, segundo dados do IBGE. Hoje, a população com mais de 80 anos é de cerca de 2 milhões de pessoas. Como será o financiamento dessa previdência diante da mudança etária substantiva da população e como estará o mercado de trabalho nesses anos são algumas questões que o debate, no fórum, deverá responder. Em seis meses, ele terá que apresentar um diagnóstico completo do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) e propostas de consenso.

O ministro busca inspiração no Pacto de Toledo, acordado pelo parlamento espanhol em abril de 1995 com as recomendações de reformas na seguridade social daquele país. Lá, foram feitas a separação e a classificação das fontes de financiamento da previdência. O mesmo que Machado propõe fazer nas contas daqui. Para isso, bastará, no máximo, a edição de um decreto, diz ele.

O que for renúncia previdenciária para beneficiar entidades filantrópicas, como as Santas Casas, deve sair da conta da Previdência Social e ir para as contas do Ministério da Saúde; o mesmo em relação ao ProUni, cujas renúncias seriam contabilizadas no orçamento do Ministério da Educação, e assim por diante. Feito isso, o déficit da previdência dos trabalhadores urbanos cai para R$ 3,8 bilhões. Cifra que, segundo Machado, dá sentido ao que ele chama de choque de gestão. "Com esse déficit, a discussão é outra", argumenta.

O recadastramento que se encerra em setembro representará, por exemplo, uma economia de cerca de R$ 1,5 bilhão. As mudanças no auxílio-doença podem render bem mais que a redução de gasto - de R$ 1,2 bilhão - obtida no ano passado, quando o governo deu um aperto nos critérios de concessão. Há um projeto de lei no Congresso Nacional para acabar com uma distorção na concessão desse benefício, cuja fórmula de cálculo resulta, para muitos trabalhadores, no recebimento de um auxílio superior ao salário que ele recebe quando está trabalhando.

"Os analistas que querem a reforma da previdência a qualquer custo não olham essas coisas", sublinha o ministro. Outro projeto de lei importante, que dormita no Congresso, refere-se à autorização para o governo fazer um novo cadastro dos segurados especiais rurais, um cadastro familiar. Por esse projeto, se o trabalhador rural buscar emprego na cidade durante a entressafra, ele continua sendo registrado como rural e não perde essa condição, como ocorre hoje.

No caso da aposentadoria rural, embora seja um benefício para o qual não houve contribuição na medida adequada, Nelson Machado diz que continuará sendo considerada uma despesa da previdência porque "os trabalhadores rurais aposentados são previdenciários e têm que continuar sendo, porque isso é cidadania. Mas vamos discutir como ela será no futuro de mais longo prazo e como financiá-la".

Ele acha que a urbanização irá gradualmente reduzir o déficit com os benefícios do setor rural. A despesa com esses benefícios, em 2006, somou R$ 32,36 bilhões, enquanto a arrecadação líquida foi de R$ 3,8 bilhões. Portanto, a previdência rural carrega um déficit de R$ 28,56 bilhões, mas, como acentuou o ministro, "isso é política social".

A soma de um déficit de R$ 13,5 bilhões da previdência urbana com o "buraco" da rural, de acordo com a contabilidade em vigor, é que produz o déficit de R$ 42,06 bilhões registrado no ano passado. Cifra que, após uma depuração contábil que Machado defende, retirando-se tudo o que são renúncias previdenciárias, que em 2006 totalizaram R$ 11,49 bilhões, cai para R$ 22,12 bilhões. Este seria, portanto, o déficit do Regime Geral de Previdência Social, assim distribuído: R$ 3,8 bilhões advindos da previdência urbana e R$ 18,33 bilhões, da rural, numa depuração ainda preliminar.

O maior peso das renúncias está na previdência urbana. O Simples concede benefício previdenciário de R$ 5,1 bilhões; as entidades filantrópicas recebem R$ 4,31 bilhões; o benefício através de redução de alíquota da CPMF, que deixa, portanto, de compor receitas da previdência, é de R$ 285,9 milhões. Já na área rural, a renúncia representou, no ano passado, R$ 1,78 bilhão a título de isenção para os exportadores rurais.

O ministro acha que, na discussão do fórum, a questão do financiamento de longo prazo da previdência urbana e rural vai se encontrar com o debate sobre a reforma tributária. Temas como desoneração da folha de salário das empresas e a mudança - para o faturamento das empresas - da incidência da contribuição da previdência social, hoje sobre a folha de pagamento, será inevitável.

Machado diz que, agora, está "numa cruzada pelo diagnóstico". "O que estamos discutindo é o que a previdência social vai preparar para sua sustentabilidade e justiça no longo prazo", diz ele. E nisso, reitera, não entra a previdência pública que carrega um déficit de R$ 35 bilhões, conforme dados de 2006. Para esta, o que falta é a regulamentação dos fundos de previdência complementar para os futuros funcionários públicos. "Ninguém vai mexer em direitos adquiridos", assegura.