Título: Ministros avaliam se Lula deve vetar medida
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 15/02/2007, Brasil, p. A8

Os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Trabalho, Luiz Marinho, estavam dispostos, ontem, a pedir ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva o veto ao ponto mais polêmico do projeto que criou a Super Receita: a limitação da atuação dos auditores do Fisco. Mas, segundo interlocutores que conversaram com eles ao logo do dia, eles ainda podem rever essa posição, depois de estudos mais detalhados sobre o alcance da medida.

Pelo texto aprovado na Câmara, os fiscais da Receita só poderão multar as empresas que contratam profissionais por meio de pessoa jurídica formada por, no mínimo, dois sócios, após autorização da Justiça. Na prática, é comum que apenas um dos sócios seja atuante.

A formação dessas pessoas jurídicas é muito comum na prestação de serviços médicos, contábeis, jurídicos, artísticos e jornalísticos. Ao invés de contratarem empregados, grandes empresas efetuam contratações por meio de pessoas jurídicas. Mas os fiscais costumam ser bastante rigorosos nesses casos, multando tanto as grandes empresas quanto as pequenas pessoas jurídicas prestadoras do serviço.

O ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, defendeu a aprovação da Super Receita pelo Congresso, inclusive quanto ao ponto criticado por Mantega e Marinho. Para Everardo, o que ocorre atualmente é o abuso dos auditores que costumam multar praticamente todas as empresas que contratam pessoas jurídicas formadas por dois sócios. Com a aprovação da Super Receita, os fiscais poderão continuar seu trabalho mas dependerão de prévia autorização da Justiça para desconsiderar essas pequenas pessoas jurídicas e autuá-las. "A fiscalização será feita normalmente pelo fiscal da Receita, mas será contida essa arbitrariedade de alguns fiscais", completou Everardo.

O ex-secretário disse que essa alteração na forma de fiscalização tem o respaldo da Constituição de 1988 que, no artigo 170, diz que todas as pessoas têm o direito de se organizar da melhor forma possível para prestar atividade comercial. Assim, se um profissional liberal quiser formar uma empresa de duas pessoas para prestar serviços a uma grande empresa poderá fazê-lo livremente. O que a lei aprovada pelo Congresso faz é reduzir a possibilidade de este profissional liberal sofrer multas.

Os juízes do Trabalho e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) divulgaram, ontem, notas contra o texto aprovado pelo Congresso. "Infelizmente o Congresso Nacional não teve a sensibilidade de perceber que o texto da emenda representa um retrocesso social e uma limitação à atuação dos órgãos de fiscalização do trabalho", informou a Associação nacional dos Magistrados Trabalhistas (Anamatra).

O presidente nacional da OAB, Cezar Britto, pediu ao presidente Lula que vete o projeto de lei. O problema, segundo ele, está no ponto em que se exige a participação da Justiça do Trabalho para efetuar a fiscalização nas empresas. "Isso, na nossa avaliação, vai favorecer o aumento do trabalho escravo e a ilegalidade", afirmou Britto. "Se estamos querendo um Brasil melhor, não podemos aceitar a não fiscalização de atividades irregulares", completou.

Para o procurador do Trabalho Geraldo Emediato, vice-coordenador de Combate à Fraude na Relação de Emprego, o texto tira o poder do auditor fiscal. "Agora, o auditor dependerá da Justiça do Trabalho e os empresários ficarão sem punição", reclamou.

Everardo disse que essas críticas "não têm sentido", pois, segundo ele, os auditores poderão atuar normalmente na fiscalização das empresas. É só no momento de desconsiderar as pessoas jurídicas que eles dependerão da prévia autorização da Justiça.

O ex-secretário da Receita também não acredita que a medida vá reformular o sistema de contratação pelas empresas, incentivando a formação de pessoas jurídicas de poucos sócios. "Não tem nada a ver com minirreforma trabalhista. É apenas para disciplinar a autoridade da Receita e as atribuições do auditor fiscal."

Mantega e Marinho concluíram, numa primeira análise do projeto que essa restrição à atuação dos fiscais - a necessidade de autorização prévia da Justiça - é um freio no combate às fraudes à legislação trabalhista.

A secretária de Inspeção do Trabalho, Ruth Beatriz Vasconcelos Vilela, expôs a opinião do ministério ao criticar duramente as empresas que, na sua opinião, contratam pessoas jurídicas para burlar a lei. Ela disse que o Judiciário vem condenando a contratação de empregados por meio de cooperativas de mão-de-obra, terceirizações de atividade fim, estágios e pessoas jurídicas.

Para Ruth, existe uma tendência de as empresas procurarem fugir do custo das contratações. Ela informou que o Ministério do Trabalho tem aproximadamente três mil auditores-fiscais em todo o país, mas o ideal seria contar com 4,5 mil funcionários. Segundo o Ministério do Trabalho, o objetivo dessa fiscalização é cumprir a lei, especialmente no recolhimento de tributos. Nas visitas que esses fiscais realizam às sedes das empresas, eles verificam se a rotina de trabalho caracteriza vínculo empregatício. Ao fazê-lo, confirmam se há subordinação, exclusividade, horário e remuneração regular.