Título: Agitação dos mercados deve atravessar o ano
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/01/2005, Opinião, p. A8

A reacomodação nervosa dos mercados à divulgação da ata da reunião do Fed (Banco Central dos EUA) de dezembro foi uma amostra da instabilidade que deve perdurar ao longo de 2005. Os mercados de câmbio têm todas as razões para permanecerem voláteis enquanto o dólar não encontrar um ponto de sustentação. Com os desequilíbrios que baseiam a queda da moeda americana - os déficits enormes das contas públicas e de mercadorias dos EUA - a política monetária do Fed tem um peso notável diante da atual onda de incertezas. Os mercados pressentiram um dos possíveis rumos para a ação do BC americano. A ata indica que os juros continuarão subindo - essa não é a novidade, já que eles ainda estão emparelhados com a inflação corrente -, mas revela que membros do Fed se sentem cada vez menos confortáveis com os riscos inflacionários. Os preços do petróleo, apesar da queda, continuam bem mais altos do que em meados de 2004 e, o que é mais importante, "o recente declínio do dólar poderá elevar o preço das importações e diminuir as pressões competitivas em muitos ramos industriais". Embora admitam que os repasses continuem limitados, a elevação do custo do trabalho e a redução da produtividade favorece a alta dos preços em uma economia que pode já estar operando perto de seu potencial. A outra metade da ata do Fed é dedicada a relativizar estes perigos e justificar a decisão, tomada por unanimidade, de que os riscos para o crescimento sustentável da economia e o de alta da inflação estão equilibrados. O temor dos mercados não diz respeito a uma previsível elevação dos juros, mas a sua velocidade no curto prazo e intensidade no longo. A taxa de juros americana tende a equilibrar-se em torno da faixa de 3,5% a 4,5%. Há, porém, receio de que até mesmo esse nível, ainda distante, seja insuficiente diante de uma anômala conjuntura de déficits público e comercial muito acima da média histórica. A menção direta à inflação importada pela erosão do dólar, mais o claro desequilíbrio das contas públicas, abrem dilemas para a política monetária que não são fáceis de resolver. Boa parte dos analistas enxerga que agora o Fed já está dando sinais de que se moverá em direção a uma política que facilite o ajuste externo. A decorrência disso será uma aceleração na alta dos juros, com o consequente arrefecimento da taxa de expansão da economia dos EUA. Ela já mostra um ritmo menor, que deve atingir 3,5% este ano, ante 3,9% em 2004. Começam a pesar com mais força as contra-indicações de uma política de ajuste moderado do Fed. Os mercados de commodities, imóveis e, em boa parte, o de moedas, mostram-se fortemente alavancados pelo custo perto de zero, ou até negativo, do dinheiro, o que revigorou rapidamente os fundos de hedge e deu-lhes grande poder especulativo. Juros mais altos tornariam mais arriscadas e mais caras as apostas desses fundos e contribuiriam para domar o consumo americano. Serviriam, além disso, de catalisador para o reequilíbrio da conta comercial americana, uma tarefa para a qual o declínio do dólar vem contribuindo pouco, e de forma lenta, até agora. Ao contrair as despesas privadas (a taxa de poupança dos lares americanos é de apenas 0,7%) e atrair mais capitais para os EUA, o BC americano ajudaria a estancar o déficit comercial e garantiria com mais facilidade, ainda que a um custo bem maior, o financiamento do déficit público. São manobras delicadas e que embutem muitos riscos para a economia mundial. A instância acomodativa da política do Fed encontra-se em uma curiosa encruzilhada. Cedo ou tarde ele terá de se preocupar em afiançar o valor da moeda, outra função precípua dos BCs, e agir para empurrar o dólar a nova posição de equilíbrio - aquela em que a economia mantenha um crescimento razoável, com inflação sob controle e com déficit comercial em queda. Os mercados esperam que o Fed se antecipe a uma tarefa que enxergam como inevitável, caso o dólar continue a declinar - juros em cadência mais veloz de alta. Uma das alternativas seria uma valorização pactuada das moedas asiáticas, defendida por parte dos analistas, o que parece altamente improvável. O ensaio geral dos mercados com a ata do Fed dá idéia das turbulências que estão a caminho. O Brasil é menos vulnerável a elas hoje, pela queda do endividamento, menor exposição ao dólar e muito baixa dependência de capitais de curto prazo. O BC acelerou a compra de dólares nos primeiros dias do ano para reforçar as reservas e, na medida do possível, deveria continuar a fazê-lo. O tempo para isso pode estar acabando.