Título: Fatores macroeconômicos do spread bancário
Autor: José Luís Oreiro e Luiz Fernando de Paula
Fonte: Valor Econômico, 06/01/2005, Opinião, p. A8

No Brasil, em função do sucesso de processo de estabilização de preços, da maior abertura e integração ao mercado financeiro internacional e, mais recentemente, da adoção de um regime de taxa de câmbio flutuante, esperava-se que os spreads bancários - a diferença entre a taxa de juros cobrada aos tomadores de crédito e a taxa de juros paga aos depositantes pelos bancos -- iriam, em algum grau, convergir aos níveis praticados internacionalmente. Há, contudo, certo desapontamento com relação aos resultados alcançados. Apesar da queda da taxa de juros, que ocorreu a partir de meados de 1999, o spread bancário no Brasil ainda se mantém em patamares elevadíssimos em termos internacionais, situando-se ao redor de 40% nos últimos anos. Em outros países, o spread tem sido bem mais baixo: 11,96% no México, 5,64% no Chile, 2,77% nos EUA e 3,15% na zona do euro (dados do ano 2000). De fato, um dos principais fatores que impede o crescimento do crédito no Brasil - a relação crédito/PIB tem caído de forma acentuada de 1994 aos dias de hoje - são as elevadíssimas taxas de juros dos empréstimos praticadas no país, que explicam, ao menos em parte, a alta rentabilidade dos grande bancos varejistas. Por sua vez, o baixo nível de crédito no Brasil é um dos fatores que têm contribuído para que a economia cresça abaixo de seu potencial. Embora já existam alguns estudos acadêmicos sobre a determinação do spread no Brasil, a explicação sobre o nível do elevado spread bancário ainda é uma questão em aberto. Tais estudos procuraram aferir se o spread bancário elevado estaria relacionado à baixa concorrência existente no setor, em função da tendência recente de aumento da concentração do setor bancário no Brasil, mas os resultados alcançados nesses estudos estão longe de serem conclusivos. Por outro lado, tem sido bastante veiculado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) que os altos spreads resultam de um conjunto de fatores, normalmente associados a questões regulatórias: o chamado efeito "crowding out" do governo no mercado de títulos, em função de sua elevada dívida interna, que extrai e encarece a poupança que poderia ser utilizada pelo setor privado; os níveis elevados de compulsório sobre os depósitos dos bancos; a tributação excessiva sobre as operações de crédito; e, ainda, o elevado volume de créditos direcionados atualmente existentes; tudo isso faria com que os bancos tenham menos recursos para emprestar e a um custo artificialmente mais alto. Os resultados obtidos a partir de exercícios econométricos, que realizamos em estudo recente, evidenciaram - em consonância com a literatura internacional empírica - que os fatores macroeconômicos são parte importante na explicação da determinação do spread bancário no Brasil. Em particular, destaca-se a elevada volatilidade da taxa básica de juros (Selic), que eleva o risco de taxa de juros enfrentado pelo banco (resultado do descasamento de taxas e de maturidades entre a estrutura ativa e passiva do banco) e aumenta o seu grau de aversão ao risco de crédito (uma elevada volatilidade da taxa básica de juros se traduz, em alguma medida, em alta variabilidade do nível de produção real).

Medidas de natureza microeconômica visando a diminuição do spread poderão, mais uma vez, se revelar inócuas

Em segundo lugar, a produção industrial também afeta o spread bancário, uma vez que baixo crescimento impacta negativamente, tanto no crescimento dos níveis de inadimplência dos empréstimos, quanto na menor demanda por crédito, diminuindo os ganhos de escala que poderiam ser obtidos pelos bancos nas operações de crédito. Isso faz com que os bancos procurem compensar a falta de escala com a elevação na taxa de empréstimos. Acrescente-se, ainda, o fato de que, tendo os bancos uma alternativa segura, líquida e lucrativa de aplicação de seus recursos ( títulos públicos), o custo de oportunidade para emprestar aumenta bastante, o que faz com que os bancos imputem um prêmio de risco na taxa de empréstimos acima do que seria justificado pelas condições de inadimplência no mercado de empréstimos. Portanto, incerteza no ambiente macroeconômico que envolve os bancos é importante causa dos elevados spreads no Brasil. Quanto mais instável for a economia do país - por exemplo, quanto maior for a variabilidade da taxa de inflação e da taxa de câmbio - maior deverá ser o spread bancário. Se isso é verdade, a adoção de políticas macroeconômicas que visem a aceleração do crescimento econômico, bem como a redução do nível e da volatilidade da taxa básica de juros poderá ter efeito positivo no sentido de reduzir os spreads bancários. Sem isso, medidas de natureza microeconômica visando a diminuição do spread poderão, mais uma vez, se revelar inócuas. Concluímos esse artigo citando uma passagem do texto de Saunders e Schumacher , muito apropriada para a discussão brasileira sobre spread: "se uma significativa proporção das margens dos bancos em um certo país é determinada pela volatilidade da taxa de juros, em vez do comportamento monopolístico dos bancos, a atenção da política pública deve ser melhor focada nas políticas macroeconômicas como instrumento para reduzir o custo de serviços de intermediação". O alcance de um crescimento econômico sustentado e financeiramente estável para o Brasil requer, a nosso juízo, a adoção de uma política macroeconômica efetivamente estabilizadora, em termos de criar condições para um crescimento econômico estável e sustentado. Nossa avaliação é que um crescimento sustentado e financeiramente estável a longo prazo poderá não ser alcançado pela atual política econômica do governo, em função da ainda elevada vulnerabilidade da economia brasileira a choques externos e às mudanças nas condições e humores do mercado financeiro internacional.