Título: Estrategistas acuados pelas urnas
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 15/02/2007, Política, p. A10

Existem alguns estrategistas políticos dignos de entrar para a história. A história do PFL, que vai se tornar Partido Democrata, inclui alguns deles. Pelo um mês antes da oficialização da dissidência do então PDS, que apoiava o regime militar, um deputado discreto, recém-chegado ao Congresso, chamou a repórter de lado e contou uma espécie de história da Carochinha. Existia um grande grupo no PDS incomodado com as investidas do ex-governador Paulo Maluf sobre os convencionais do PDS, que tinha maioria para, unido, eleger o sucessor do presidente-general João Figueiredo. Entretanto, era uma pequena maioria de convencionais - apenas 18 votos dados a um candidato de oposição derrubariam Maluf se ele conseguisse vencer na convenção do partido, onde teoricamente disputariam quatro candidatos: Paulo Maluf, Marco Maciel, o vice-presidente Aureliano Chaves e o ministro do Interior, militar, Mário Andreazza. Maluf se elegeu deputado e montou um estado-maior para a sua candidatura, inclusive aproveitando o baixo clero para eleger um presidente da Câmara simpático a ele, o deputado Flávio Marcílio. O então ministro da Casa Civil, Leitão de Abreu, junto com a direção do PDS - presidido por um já desalentado José Sarney, que via Maluf comer inclusive o diretório nacional do partido pelas bordas - propôs levar ao diretório a sugestão de uma prévia entre os candidatos, deixando à convenção apenas referendar o nome do vitorioso.

Esse discreto deputado, um mês antes, contou que o partido faria uma reunião de diretório para colocar em discussão a proposta de prévia, mas que os candidatos a dissidentes já sabiam, de antemão, que a maioria era malufista. Com a prévia derrotada, Sarney renunciaria à presidência do PDS e assumiria o vice, Jorge Bornhausen. Na semana seguinte, Bornhausen faria uma nova tentativa de aprovar as prévias, seria derrotado e também renunciaria. Renunciariam à candidatura Aureliano Chaves e Marco Maciel. Nesse momento, quando toda a estratégia estava armada, os chefes da dissidência já dispunham do número exato de apoios para derrotar Maluf no Colégio Eleitoral. Iriam, de armas e bagagens, para a candidatura do então governador de Minas, Tancredo Neves, do PMDB, que até a reversão do quadro dava apoio público à candidatura de Aureliano. Garantia o parlamentar, enquanto Tancredo dizia que não era candidato: "O Tancredo é o próximo presidente".

Era complicado acreditar na história, mas ela aconteceu em todos os seus detalhes. Após a convenção do PDS, quando Maluf derrotou Andreazza, o comando dos dissidentes acabou de fazer a limpa no terreno de Maluf, garantindo uma vitória esmagadora a Tancredo. No mesmo dia da renúncia de Sarney à presidência do PDS, o presidente do PMDB, Ulysses Guimarães, e o então senador Fernando Henrique Cardoso, foram à sua casa costurar o apoio a Tancredo. Quatro dias depois, foi formalizada uma "Aliança Democrática" que reunia a Frente Liberal e o PMDB. Foi uma transição democrática à la brasileira: até a posse de Tancredo, muita articulação e muita saliva foram gastas para conter resistências na área militar.

-------------------------------------------------------------------------------- Ação do PFL na eleição de Tancredo foi profissional --------------------------------------------------------------------------------

Esse foi o tempo áureo do PFL, que demorou mais um pouco para deixar de ser a Frente Liberal e tornar-se o Partido da Frente Liberal. Não conseguiu fazer o presidente após a morte de Tancredo porque para que Sarney pudesse ser vice teve que se filiar ao PMDB. Na consolidação do que seria um partido, uma grande adesão de governadores pedessistas deu ao PFL um perfil nordestino, que praticamente esvaziou o PDS - que mudou de sigla diversas vezes e desde então sempre esteve sob o comando de Paulo Maluf.

O PFL, já na primeira eleição que disputou, esteve na listas dos maiores do país. Sempre baseado no Nordeste. O primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em especial o seu programa de transferência de renda, botou o partido de cabeça para baixo. Nas eleições de 2002, elegeu 84 deputados. Nas últimas eleições, esse número caiu para 66 - já saíram dois e a direção acredita na defecção de mais quatro ou cinco deputados. A maioria das mudanças previstas estão concentradas na Bahia, onde o outrora invencível Antonio Carlos Magalhães foi o grande derrotado. Pela primeira vez, a soma dos eleitos no Sul, no Sudeste e no Centro-Oeste supera os do Nordeste.

O "massacre" atribuído a Lula ao PFL nordestino está acelerando um processo de discussão de uma "modernização" da legenda que se estende pelos anos e nunca acontece. É uma partido que, para não se tornar pequeno, tem que se aproximar mais do eleitor do sul-sudeste e ganhá-lo pela ideologia. O partido pretende, antes de tudo, firmar-se como a antítese de Lula - a legenda que polariza com o presidente e que seja capaz de atrair aqueles que são contrários a ele. Isso embute uma radicalização. Mas, mais do que isso, é uma tentativa de ganhar esse espaço antes que o PSDB o ocupe. Entre os tucanos, não se pode dizer que é vitoriosa a direção defendida por um grupo, de não arrumar grandes confusões com o governo petista para conseguir reaver um espaço na social-democracia. Até porque isso não é muito fácil, visto que o PT tem ocupado cada vez mais esse espectro ideológico. Caso radicalize, os velhos parceiros PFL e PSDB estarão brigando com unhas e dentes pelos votos dos mesmos eleitores. Não é muito diferente do que aconteceu em 2006. Mas pode causar maiores prejuízos em 2010.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

maria.inesnassif@valor.com.br