Título: Jobim quer negociar precatório em bolsa
Autor: Thiago Vitale Jayme
Fonte: Valor Econômico, 06/01/2005, Especial, p. A10

O poder público poderá emitir títulos de precatórios e os credores poderão optar por negociá-los livremente no mercado. Essa é a base de proposta encampada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, para sanar o problema da falta de pagamento das dívidas do Estado com seus cidadãos. A proposta é polêmica e tem outros defensores, mas só será apresentada formalmente após reuniões do magistrado com governadores e prefeitos de grandes cidades devedoras. A forma de pagamento dos precatórios tem sido amplamente debatida na sociedade, sobretudo entre juízes e ministros de tribunais superiores. "Há um passivo de precatórios imenso. Estamos levantando nos Estados, porque na União não tem problema. A questão é vinculada aos Estados e a algumas grandes prefeituras", explica o presidente do STF. O presidente do STF defende um modelo flexível, adaptável às particularidades de cada Estado ou município. "Um dos modelos possíveis é da securitização, no qual se transforma a dívida em papel. E esse papel pode ser negociado como título da dívida, podendo ser negociado em bolsa", explica. Em recente estudo sobre o assunto, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Humberto Gomes de Barros defendeu idéia semelhante à de Jobim. A dívida não será negociada toda de uma vez. "É preciso vincular o passivo à receita corrente líqüida do organismo devedor, e a partir daí criar um modelo", defendeu Jobim. Pelo atual modelo, quando a Justiça determina que um Estado pague uma dívida até 1º de julho, o Executivo deve reservar parte do Orçamento do ano seguinte para pagar o débito. Caso a decisão judicial seja emitida no segundo semestre, o pagamento terá que ser incluído no Orçamento do segundo ano. Há dois tipos de precatórios: os alimentares e os não alimentares. Os primeiros referem-se a débitos relacionados a salários, indenizações, pensões e outras reivindicações de servidores. As questões privadas são definidas como não alimentares. A Emenda Constitucional número 30, aprovada em 13 de setembro de 2000, fez pequena alteração: possibilitou o pagamento dos precatórios não alimentares em dez prestações anuais. A questão tem se tornado tão grave que o Ministério Público do Estado de São Paulo move ação civil pública contra a ex-prefeita da capital paulistana, Marta Suplicy (PT), por improbidade administrativa por conta do atraso no pagamento de precatórios alimentares. Segundo a ação, entre 2001 e 2004 não foram incluídos nos orçamentos R$ 955,6 milhões relativos a precatórios alimentares. Levantamento feito pela seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) mostra que a dívida com relação aos precatórios por parte da prefeitura era de R$ 180 milhões em 2001. O valor atingiu R$ 1,6 bilhão em 2004. Pela estimativa da entidade, 100 mil pessoas aguardavam na fila para receber alguma indenização. Mas cerca de 10 mil morreram sem receber nada. Neste caso, o direito à indenização passa para a família. A situação do Estado de São Paulo não é diferente. O levantamento da OAB-SP mostra que o Tesouro Estadual deve aproximadamente R$ 6 bilhões, com 500 mil credores. Destes, 35 mil já faleceram sem ver o pagamento. Mas o governo Geraldo Alckmin (PSDB) não sofreu ação por parte do MP, por ter dado sinais de que pode começar a pagar parte dos precatórios este ano. "O governador mostrou-se mais sensível ao assunto. Ele vai liberar dinheiro para quitar os precatórios do exercício de 1997", revela o advogado Felippo Scolari, presidente do Movimento dos Advogados em Defesa dos Credores Alimentares do Poder Público (Madeca) e vice-presidente da Comissão de Precatórios da OAB-SP. Ao mesmo tempo em que defende a emissão de títulos e a negociação em bolsa como forma de acelerar o processo, Nelson Jobim faz uma ressalva para que os maus pagadores - como a Prefeitura de São Paulo - não consigam adiar ainda mais a quitação. "Tem que ser um papel que não vá se transformar num novo precatório adiante, senão não tem sentido. Precisamos de um papel que tenha liqüidez", diz. A idéia do presidente do STF é dar praticidade ao manuseio do título. "Por exemplo: o papel, quando do vencimento, pode servir para pagamento de resgate de tributos e impostos. Ou seja, ele teria uma configuração de quase moeda.", sugere Jobim. O presidente do STF nega que já tenha tido qualquer conversa com o Ministério da Fazenda sobre o assunto. Só vai procurar o Executivo depois de finalizar o levantamento dos precatórios em todo o país. Mas garante que um entendimento pode sair até o final de 2005. Para que sua idéia receba apoio, seria preciso, contudo, alterar a Lei de Responsabilidade Fiscal, já que esta proíbe novas emissões de títulos por parte dos agente públicos. O assunto tem ganhado espaço nos últimos meses por conta da queda da inflação, de acordo com o presidente do Supremo. "Antes, se administrava o precatório na boca do caixa. O chamado 'imposto inflacionário' compensava isso. Desapareceu a inflação, esse problema apareceu. Então, temos de encontrar uma fórmula de compatibilizar o pagamento desse débito com as possibilidades vinculadas à receita corrente líqüida dos devedores", diz o magistrado. Pela proposta, a pessoa poderá escolher se entra na fila e espera o pagamento ou se prefere adquirir um título para negociá-lo. Jobim ainda abre outra possibilidade para o futuro modelo. "Podemos ter leilões de precatórios. Para fazer um resgate de precatórios, quem quiser vai lá e leiloa o papel. E quem deve decidir isso é a parte. Pode ser conveniente receber dois agora em vez de dez daqui dez anos", argumenta. Apesar de gostar da proposta de Jobim, Felippo Scolari a classifica com "fazendária". O advogado ressalta a necessidade de observar o lado humano da questão. "É preciso regularizar essa emissão de títulos, porque quem vai acabar comprando e lucrando com esses papéis serão os bancos", diz ele.