Título: EUA pretendem punir vazamento
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 30/11/2010, Mundo, p. 20

Para a secretária de Estado Hillary Clinton, comunidade internacional sofreu ataque

Um dia depois do vazamento de importantes documentos da diplomacia americana, é hora de controlar a crise. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, compareceu ontem a uma entrevista coletiva sobre o congelamento de gastos públicos e saiu de cabeça erguida, mas sem dizer uma palavra sobre o assunto. As explicações ficaram a cargo da secretária de Estado, Hillary Clinton. ¿Essa divulgação não é apenas um atentado a interesses estrangeiros da política americana. É um ataque à comunidade internacional¿, disse aos jornalistas. Enquanto o mundo começa a digerir a enxurrada de informações confidenciais divulgadas pelo site Wikileaks, o governo dos EUA começa a rever seu serviço de inteligência e a forma como desenvolve suas relações internacionais.

Antes mesmo da divulgação de parte dos 250 mil documentos no domingo por cinco grandes jornais, Hillary conversou com chanceleres de outros países. Visivelmente cansada, ela disse ontem estar confiante que as relações diplomáticas dos EUA não seriam prejudicadas com o episódio. A chefe da diplomacia americana ordenou novas medidas de segurança nos departamentos de Estado e da Defesa. ¿Estamos tomando medidas agressivas para responsabilizar quem roubou as informações. Esse tipo de violação não pode e não acontecerá novamente¿, afirmou a secretária.

Assim que deixou a coletiva, Hillary iniciou uma viagem à Ásia e ao Golfo Pérsico. É o primeiro compromisso da secretária depois da divulgação dos documentos e a chance de se encontrar com líderes mencionados. A Organização das Nações Unidas (ONU), que recebeu um pedido de investigação por parte do governo norte-americano em 2009, assinalou que sua natureza é ¿transparente¿ e afirmou não estar na posição de comentar o caso. O Irã, alvo dos telegramas da diplomacia americana, afirmou que a divulgação teria sido arquitetada pela própria Casa Branca, ¿para atingir seus interesses políticos¿.

Hillary defendeu o direito dos diplomatas de realizarem seu trabalho: coletar informações e repassá-las ao Estado. ¿Cada país deve ser capaz de ter informações honestas sobre outros países. Quaisquer que sejam as razões para filtrar esses documentos, está claro que põem em risco muitas vidas e a segurança nacional¿, declarou.

Mudanças De acordo com o embaixador Rubens Ricupero, ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, a divulgação dos documentos deve trazer transformações. ¿Minha impressão é que isso vai levar a uma mudança profunda na comunicação. Os americanos têm um conceito distinto do que é secreto e acabam com um número grande de funcionários com acesso às mensagens restritas. Esse sistema facilita o vazamento. Agora, eles vão tentar a combinação de duas coisas: restringir bastante a distribuição e classificar os fatos sigilosos¿, disse ao Correio.

Para o brasileiro, a divulgação de informações confidenciais é retrato de uma crise interna no governo americano. ¿É um sintoma de desagregação interna, um fenômeno que ocorre quando não há consenso interno sobre como deve ser a política externa. Os EUA passam por uma crise profunda de credibilidade. Não foi Obama quem causou isso e, agora, está estourando na mão dele¿, diz Ricupero.

AIATOLÁ ESTARIA DOENTE » Entre os telegramas diplomáticos divulgados ontem, um deles relata que o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, sofre de câncer em estágio terminal. Na mensagem de agosto de 2009, reproduzida pelo jornal francês Le Monde, um empresário asiático com fontes em Teerã relata que ¿soube por um dos seus contatos que o ex-presidente iraniano Ali Akbar Rafsanjani lhe contou que o líder supremo Ali Khamenei teria leucemia em estágio terminal e que pode morrer em poucos meses¿. Rafsanjani pode ser um dos candidatos ao cargo mais importante do Irã.

REAÇÃO INTERNACIONAL

Como reagiram governos citados pelos dossiês liberados pelo site Wikileaks:

Irã Com o programa nuclear alvo de grande parte dos documentos, o presidente Mahmud Ahmadinejad afirmou que as informações ¿não valem nada¿ e acusou o governo dos EUA de envolvimento

Reino Unido Apesar de não terem sido divulgados os memorandos sobre o premiê David Cameron, um porta-voz do líder condenou a ação e disse que os vazamentos ¿inibem a conduta dos governos¿

Afeganistão O governo insistiu que as relações com os EUA não seriam danificadas, apesar das mensagens que descreviam o presidente Hamid Karzai como ¿paranoico e dominado por teorias de conspiração¿, e seu irmão, como um ¿barão do narcotráfico¿

Rússia O conteúdo das mensagens afirmavam que o premiê, Vladimir Putin, e não o presidente, Dmitri Medvedev, é quem manda no país. ¿Não há nada de novo ou que mereça um comentário nestas publicações¿, afirmou Yulia Timakov, porta-voz do Kremlin

Israel Para o premiê, Benjamin Netanyahu, Israel ¿não foi prejudicado¿ pelos documentos. O vazamento revelou a pressão israelense para um ataque ao Irã