Título: Transparência no Orçamento
Autor: Prado, Maria Clara R. M. do
Fonte: Valor Econômico, 15/02/2007, Opinião, p. A19

Letras miúdas, rubricas confusas nada explicativas e, muito menos, cobráveis. Assim se apresenta a maioria dos orçamentos do setor público no país. Em especial os estaduais e o federal, poucos escapam do padrão da baixa transparência.

As comparações são sempre perigosas, pois cada país tem as suas peculiaridades. O orçamento público é uma das mais importantes peças do arcabouço institucional de um país. Ajuda a reforçar a consciência dos direitos dos cidadãos, contribuintes que somos todos quando destinamos parte da própria renda para cobrir os gastos que são da competência pública administrar. Portanto, a cara, a forma e todos os procedimentos em torno dos orçamentos dos governos estão intimamente relacionados à maturidade política que orienta o funcionamento do Estado.

Uma importante iniciativa internacional tem sido implementada nos últimos anos, com levantamento em vários países, justamente com o objetivo de tentar medir o grau abertura e de transparência dos orçamentos públicos.

Trata-se do Projeto Internacional do Orçamento (IBP), que engloba uma rede de instituições e entidades especializadas em contas públicas em 59 países. Em 2002, o projeto começou a ser desenvolvido a partir de uma pesquisa que serviu de base para os relatórios, concluídos no final do ano passado e que desde então têm se tornado públicos. Uma classificação foi definida, a partir de parâmetros de comparação entre os países, e um índice foi criado: o índice do orçamento aberto. Ver em www.openbudgetindex.org.

Pois bem, dos 59 países pesquisados, apenas seis tiveram alta classificação. Essa minoria foi reconhecida por fornecer uma quantidade considerada "importante" de informações nos documentos orçamentários. São eles: França, Nova Zelândia, Eslovênia, África do Sul, o Reino Unido e os Estados Unidos. Os demais 53 países caem em outras categorias que refletem orçamentos menos abertos, em graus diversos.

Por exemplo, nas categorias que qualificam os governos como provedores de "significativa" quantidade de informação ou que prevê o acesso do público a "alguma" informação orçamentária enquadram-se 30 países. Botswana, na África, é um deles, ao lado da Suécia. A quantidade de informações que esses países disponibilizam ao público com relação ao orçamento foi considerada "significativa" pela pesquisa. Na opinião dos organizadores, o desempenho ali pode ser melhorado com a publicação de uma revisão orçamentária mais abrangente no meio do ano. Essa revisão é fundamental para que a sociedade possa acompanhar, em detalhes, os eventuais ajustes aos quais o orçamento está sendo submetido.

Já os países enquadrados na categoria dos que prestam "alguma" informação orçamentária pecam pela reincidência em falhas não apenas no relacionamento com o público, mas também com o legislativo. Neste grupo estão países como a Jordânia, o Cazaquistão e o Quênia.

-------------------------------------------------------------------------------- Falta no Brasil transformar a nomenclatura dos orçamentos em modelos de apresentação mais simples, disponibilizando o acesso ao povo brasileiro --------------------------------------------------------------------------------

A parte ruim dos resultados aparece na categoria em que os países disponibilizam "mínimas", "restritas" ou "nenhuma" informação aos cidadãos. Aqui foram relacionados nada menos de 23 países, equivalentes a 39% do total pesquisado. Revelam casos que estão longe dos requisitos mais básicos da abertura orçamentária.

E, no grupo dos piores, dez países encontram-se na classificação mais baixo do índice do orçamento aberto: Angola, Vietnam, Burkina Faso, Chade, Egito, Mongólia, Nicarágua, Nigéria, Bolívia e Marrocos. Os quatro últimos chegam a apresentar algumas informações sobre o orçamento ao público, mas muito restritas. Os demais nem isso fazem: o documento orçamentário só é revelado à sociedade depois de aprovado pelo legislativo, caracterizando uma situação de total fechamento e opacidade no processo de elaboração orçamentária.

De acordo com o relatório, a pesquisa constatou uma relação entre o nível de renda dos países e a transparência orçamentária: quanto mais pobres, menos abertas ao público são as contas dos respectivos governos. No entanto, o documento pontua que o uso de práticas transparentes e eficientes é possível tanto em países desenvolvidos como em países em desenvolvimento. Cita os casos da Eslovênia e da África do Sul como exemplos de países que avançaram muito, em pouco tempo, no processo de abertura do orçamento.

A conclusão do documento é a de que: "o nível de transparência do orçamento em um país é altamente influenciado pela vontade do governo de ser responsável por seus cidadãos". Em resumo, os países que têm o desempenho mais fraco no Índice do Orçamento Aberto "não podem se esconder em restrições de capacidade, pois avanços na transparência são possíveis em curtos períodos, com recursos modestos". A pesquisa é detalhada. Levanta os mecanismos de prestação de contas ao longo do processo orçamentário, entre outros quesitos. Boa parte falha em promover audiências sobre os orçamentos individuais dos ministérios ou das agências governamentais.

E o Brasil? Onde fica? Não aparece mal naquele universo de 59 porque dispõe de uma estrutura institucional que facilita a abertura orçamentária, muito embora o próprio orçamento continue confuso e complexo para entendimento dos leigos, que são todos os contribuintes a quem os governos devem prestar contas.

O Brasil, ao lado da Coréia do Sul, da Noruega, da Suécia e de Botswana, está no grupo dos nove países classificados como aqueles que disponibilizam "significativa" informação orçamentária. Afinal, os orçamentos são dados a conhecer ao público antes de serem encaminhados para discussão no Congresso Nacional, além de sua elaboração ser associada à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e ao Plano Plurianual (PPA) com vistas justamente a seguir uma conduta condizente com uma programação de médio prazo. Também funcionam há anos os tribunais de contas (na União e dos Estados), braços do poder legislativo com a função de zelar pelo bom cumprimento dos orçamentos.

Mas isso não basta. Nem mesmo o uso da Internet que permite o acesso do público aos orçamentos públicos. Falta no país justamente o que é mais simples: transformar a complicada nomenclatura dos orçamentos em modelos de apresentação mais simples e objetivos de modo a que todo brasileiro, pelo menos os que sabem ler, possam de imediato entender para onde está indo o dinheiro dos impostos que pagam todos os dias.

Maria Clara R. M. do Prado, jornalista, é sócia diretora da Cin - Comunicação Inteligente e autora do livro "A Real História do Real". Escreve quinzenalmente, às quintas-feiras. E-mail: mclaraprado@ig.com.br

Maria Clara R. M. do Prado, jornalista, é sócia diretora da Cin - Comunicação Inteligente e autora do livro "A Real História do Real". Escreve quinzenalmente, às quintas-feiras. E-mail: mclaraprado@ig.com.br

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