Título: Dinheiro barato subverte a lógica e resiste
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Fonte: Valor Econômico, 15/02/2007, Especial, p. A20

Espere um pouco. As taxas de juros de longo prazo não deveriam estar bem maiores a esta altura?

Quando a taxa sobre os títulos de 10 anos do Tesouro dos Estados Unidos caiu de 6,5% no começo de 2000 para uma média de 4% em 2003, as explicações foram fáceis: estouro da bolha de tecnologia, recessão, poucos investimentos, inflação baixa, grandes cortes nos juros por bancos centrais de todas as partes do mundo. As taxas baixas pareciam perfeitamente normais - e certamente mudariam quando as condições mudassem.

De lá para cá, muita coisa mudou. O Federal Reserve (Fed), o banco central americano, subiu o juro básico em mais de quatro pontos percentuais. A economia mundial cresceu 5,1% em 2006, o segundo melhor desempenho em 25 anos. Europa e Japão se recuperaram. Até mesmo investimentos no setor de tecnologia parecem estar crescendo, a julgar pelos fortes lucros divulgados pela Cisco Systems em fevereiro. E mais uma vez, as taxas sobre os Treasuries de 10 anos subiram 0,75 ponto percentual. As taxas reais - excluída a inflação - mal se mexeram.

E não se trata de um fenômeno americano. Eurobônus de 10 anos estão rendendo hoje cerca de 4%, o mesmo nível de 2003, apesar do crescimento muito maior da região. As taxas reais de juro subiram só um pouco na zona do euro.

Os tomadores de empréstimos, é claro, estão delirando de felicidade. Até mesmo as companhias mais abaladas estão vendo o custo de suas dívidas cair. Os spreads sobre os bônus com classificação "CCC" e menor - os mais arriscados dos junk bonds - estão no nível recorde de baixa de 4,7 pontos percentuais sobre os ultrasseguros Treasuries, comparado ao recorde anterior de 5,2 pontos percentuais em 1997, segundo a Merrill Lynch.

O mais notável é que essa loucura não deverá parar no curto prazo. O baixo custo do capital provavelmente vai durar "de cinco a sete anos", segundo afirma Samuel Zell, que como presidente do conselho de administração da companhia imobiliária Equity Office Properties Trust (EOP) assistiu interessados brandir dívida barata numa disputa pelo controle de sua companhia. (A Blackstone Group venceu a disputa em 7 de fevereiro, com oferta de US$ 39 bilhões.) James W. Paulsen, principal estrategista de investimentos da Wells Capital Management, vislumbra um horizonte ainda maior: "Este poderá ser um ciclo prolongado em que o custo do dinheiro ficará baixo por 10 ou 20 anos."

O dinheiro fácil está criando todo tipo de benefício econômico. As empresas voltaram a investir - e com os custos dos empréstimos tão baixos, os lucros ainda estão crescendo rapidamente. As firmas de private equity (investimentos em participações) estão usando muita dívida barata para comprar companhias a preços de cair o queixo. Até mesmo o mercado imobiliário residencial, que esteve aquecido por cinco anos devido ao dinheiro barato, não entrou em colapso. Ele está planando para uma aterrissagem suave, permitindo aos consumidores continuar gastando. "Estamos numa era em que as inovações financeiras e a estruturação de produtos, especialmente nos mercados de dívida, são muito estimulantes", diz Henry H. McVey, principal estrategista de investimento do Morgan Stanley para os Estados Unidos. Zell coloca a situação das taxas de juros em termos parecidos: "Eu acho que vai haver uma aceleração do crescimento em todo o mundo."

Mas o dinheiro fácil também traz alguns problemas inesperados. Historicamente, os tomadores considerados de risco sempre pagaram juros bem maiores. Agora, há poucas penalidades - e isso significa menos incentivo para que as empresas permaneçam em situação fiscal sólida. Outras condições para a tomada de empréstimos também estão ficando mais frouxas. Muitos negócios hoje em dia possuem menos proteções para os investidores caso as empresas não consigam cumprir compromissos.

"Nunca vi os emissores com tantos poderes", diz Raymond G. Kennedy, gerente de um fundo de bônus da PIMCO. Kingman D. Penniman, fundador da KDP Investment Advisors, vê algo de podre: "Estamos preparando o terreno para futuras turbulências."